Gastos
abusivos e falta de transparência na compra de passagens aéreas não são
novidades no Supremo Tribunal Federal (STF). Decisão do Tribunal de
Contas da União (TCU), em 2019, registra a compra de bilhetes para
esposas de cinco ministros para o exterior, na 1ª classe, de 2009 a
2012, num valor total de R$ 1 milhão (em valores atualizados). Eram os
ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski e três ministros
aposentados, Ayres Brito, Cezar Beluso e Eros Grau.
A Secretaria de Controle Externo (Secex) de Administração
concluiu que a emissão de passagens aéreas internacionais para cônjuges ou
companheiros de ministros do STF, apesar de prevista no regimento interno da
corte, não encontrava amparo em leis e normas que regem a representação ou
cerimonial no exterior. “Não tem fundamento legal a realização de despesas de
viagens por pessoas não vinculadas à administração pública, na medida em que
não exercem qualquer atividade relacionada ao interesse do serviço e,
consequentemente, que tenha como objetivo o interesse público”, registra o
Acórdão 1794/2019.
Na ocasião, o plenário do TCU determinou o sigilo do
processo pelo prazo de cinco anos, contados a partir de 9 de dezembro de 2014, a
vencer, portanto, em dezembro 2019. O STF pagava as
passagens das esposas de ministros com base na Resolução 545/2015, de
sua própria autoria, que previa, nas viagens ao exterior, as categorias
de transporte aéreo a serem utilizadas, com 1ª classe para ministro e
respectivo cônjuge, “quando indispensável sua presença”, nos
afastamentos do ministro para representação do Tribunal em eventos de
caráter protocolar ou cerimonial no exterior.
As mesmas cotas no TCU e STJ, diz STF Em sua defesa perante a corte de contas,
o STF afirmou que as cotas de passagem dos ministros da corte, relacionadas à representação institucional,
tinha a mesma natureza das que eram destinadas às autoridades do TCU (Resolução 225/2009)
e ministros do Superior Tribunal de Justiça (Resolução 10/2014, com redação dada pela Resolução 21/2018), órgãos cuja jurisdição alcança todo o território nacional.
A Secex respondeu
nos autos: “A notícia de que o TCU e o STJ adotam a prática não tornam
os atos regulares. Considerando que, além do STF, outros órgãos podem
estar adotando a prática de pagamento de passagens e diárias
desvinculado do interesse do serviço, seria oportuno ao TCU firmar
entendimento pela ilegalidade da concessão de diárias e passagens sem a
devida comprovação do interesse do serviço, por falta de amparo legal”.
Questionado
pelo blog, o STJ enviou cópia da sua Resolução 10/2014. Em seu artigo
art. 5º, o documento registra que as passagens aéreas serão emitidas
"exclusivamente" em nome dos ministros, desembargadores convocados,
juízes auxiliares e juízes instrutores. O STF destacou que a resolução
citada "não previa a compra de passagens para esposas ou familiares de
ministros". O TCU enviou o texto da Resolução 225/2009. Não há na
resolução qualquer precisão de compra de passagens para cônjuges de
ministros.
O STF informou, no processo do TCU, que
desde 2014 as aquisições de passagens no STF já estavam restritas a
ministros, juízes, servidores e colaboradores eventuais. Acrescentou que
as informações sobre passagens e diárias estavam divulgadas na página
de transparência do Tribunal e que a norma que disciplina a matéria
seria alterada no primeiro semestre de 2019.
O
acórdão 1794/2019 registra que o processo no tribunal decorreu da
aprovação, no plenário da Comissão de Fiscalização da Câmara dos
Deputados, de requerimento de autoria dos deputados Sibá Machado (PT/AC)
e Edson Santos (PT/RJ), elaborado com fundamento em reportagem
veiculada pelo jornal “O Estado de São Paulo”. Foi apensado aos autos
representação dos então deputados Amauri Santos Teixeira e Fernando
Dantas Ferro, que tratam dos mesmos fatos.
A
reportagem do Estadão apurou que o Supremo gastou 2,2 milhões com a
compra de passagens de 2009 a 2012, sendo R$ 1,5 milhão para voos
internacionais. Foram destinados R$ 608 mil todos (valores nominais)
para compra de bilhetes das esposas dos cinco ministros para o exterior.
Passagens nas férias
Os ministros também usaram passagens pagas com verbas públicas durante o recesso, quando estavam de férias. Foram R$ 259 mil gastos em viagens nacionais e internacionais.
Esse fato levou o TCU a discutir naquele processo também o estabelecimento de cota de passagens aéreas não vinculadas a objeto de serviço, a ser utilizada por ministros.
Foi bastante severa a reação do corpo técnico do TCU aos
abusos na compra de passagens pelo STF, como demonstram os autos. A Secex
destacou que, apesar de prevista no regimento interno da corte, a compra de
passagens para cônjuges “não encontrava amparo em leis e normas”. Mas a decisão
dos ministros no plenário da corte foi branda.
O TCU decidiu que a concessão de passagens a ministros e
servidores deve ficar restrita às viagens vinculadas ao serviço ou motivadas
por interesse institucional. No caso de passagens decorrentes de cotas anuais a
ministros, a concessão deve ser vinculada a objetivo de representação
institucional.
O tribunal também determinou ao STF que, no prazo de até 90
dias, disponibilizasse na página do STF na internet as informações sobre
concessão de passagens aéreas aos respectivos ministros, incluindo aquelas
custeadas por meio de cotas para fins de representação institucional. Ninguém
foi punido, não houve qualquer ressarcimento de recurso público.
Reportagem do blog mostrou que os voos dos ministros estão sob sigilo.
Não é possível saber para onde vão, o que fazem nem quanto gastam. Esse
sigilo foi adotado por questões de segurança, mas também esconde os
gastos com passagens aéreas em viagens nacionais e internacionais. A
página de “transparência” do STF permite apurar apenas as despesas com
os seguranças e assessores que acompanham os ministros nas suas viagens.
Na verdade, são gastos indiretos dos ministros.
Passagens restritas a ministros Questionado pelo blog nesta semana sobre a compra de passagens para cônjuges de ministros, o
possível ressarcimento dessas despesas e sobre as
falhas na transparência do tribunal, o Supremo respondeu que,
"conforme consta no mencionado processo do TCU, desde 2014 as aquisições de passagens ficaram restritas a ministros, juízes auxiliares e instrutores, servidores públicos e colaboradores eventuais (Resolução 454/2015). O processo - TC 016.536/2013-4 - se referia a episódios entre 2009 e 2012, conforme o acórdão".Além disso, após as
recomendações do TCU, a Resolução STF 664/2020, atualmente em vigor,
"passou a estabelecer que os ministros somente podem ter emissão de
passagens para representação institucional. Não houve nenhuma
determinação de devolução dos valores, conforme o acórdão do TCU, que é
público", afirmou o Supremo. O blog encaminhou perguntas aos ministros
Mendes e Lewandowski. Não houve resposta
O também
havia perguntado ao tribunal porque os voos de "representação
institucional" dos ministros não constavam mais na sua página de
Transparência. O tribunal afirmou que, "por um erro técnico, alguns
dados recentes de viagens não haviam sido lançados na página da
Transparência, mas já houve a devida atualização e todas as informações
estão disponíveis. Sobre os questionamentos direcionados aos ministros,
reiteramos que os normativos do STF não permitem a emissão de passagens
para cônjuges".
Lúcio Vaz, colunista - Gazeta do Povo - VOZES