O acordo sobre o ressarcimento dos poupadores
lesados nos planos econômicos do século passado —Bresser (1987), Verão (1989) e
Collor 2 (1991)— chegou tarde para 20% dos 2 milhões de brasileiros que
guerreavam contra os bancos na Justiça há 24 anos. “Desde que foram ajuizadas
as primeiras ações, em 1993, 400 mil poupadores morreram à espera de uma sentença
que lhes restituísse a correção de suas cadernetas de poupança”, disse o
advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira em entrevista ao blog.
Contratado para atuar no Supremo
Tribunal Federal, Luiz Fernando foi um dos três advogados de poupadores que
participaram da negociação com representantes da banca. Foram 12 reuniões.
Todas intermediadas por uma auxiliar de Michel Temer: Grace Mendonça, a
ministra-chefe da Advocacia-Geral da União. Nos casos que envolvem poupadores
que desceram à cova antes do desfecho da negociação o ressarcimento será feito
ao espólio. Os herdeiros que conseguirem documentar o litígio vão para o final
da fila.
Na conversa com o repórter, Luiz Fernando revelou
os bastidores de uma das mais longevas batalhas judiciais travadas entre
particulares no Brasil. Contou detalhes do jogo de empurra que os bancos
impuseram aos poupadores tungados no final dos anos 80 e início da década de
90. Vai abaixo a entrevista:
— Quando nasceu a pendência judicial sobre a
correção dos planos econômicos? As primeiras ações coletivas, movidas pelo Idec,
são de 1993. Vieram depois também as ações individuais. O Judiciário não soube
resolver isso. Só agora, 24 anos depois, foi resolvido por meio de um acordo.
Ao longo desse período, os poupadores foram ganhando sistematicamente, em todas
as instâncias da Justiça: a primeira instância, os 27 tribunais estaduais e do
Distrito Federal, cinco Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de
Justiça. No total, foram cerca de 300 decisões.
— O que os poupadores ganharam, efetivamente, na
Justiça? Em cada
um dos planos econômicos o governo mudava o índice de correção monetária que
incidia sobre as cadernetas de poupança. O índice novo era sempre menor do que
o anterior. No Plano Verão, por exemplo, trocaram o INPC, que fixava correção
da poupança na casa dos 40%, pela TR, que pagava algo em torno de 20%. Ao
calcular a correção das poupanças, os bancos aplicaram retroativamente o índice
menor. Em vez de pagar 40%, pagaram 20%. Foi essa diferença que os poupadores
ganharam. O Judiciário entendeu que o cálculo não poderia ser retroativo. E
mandou devolver a diferença.
— Após duas décadas de um litígio que parecia
interminável, como surgiu o acordo? A grande responsável pelo avanço da tese do acordo
foi a ministra Grace Mendonça [advogada-geral da União]. Quem levantou o
assunto, afirmando que era preciso fazer um acordo, foi o Idec, de São Paulo.
As pessoas que foram à Justiça estão morrendo.
— Há uma estimativa sobre o número de mortos? De um total de 2 milhões de
poupadores, morreram 20%. O acordo envolverá 400 mil espólios.
— Morreram 400 mil poupadores? Sim. Desde que foram ajuizadas
as primeiras ações, em 1993, 400 mil poupadores morreram à espera de uma
sentença que lhes restituísse a correção de suas cadernetas de poupança.
— Nesses casos, os herdeiros é que receberão? Sim, nos casos em que houver a
adesão ao acordo, os herdeiros serão os beneficiários.
(...)
— Como se explica o sucesso que os bancos vinham
obtendo no STJ para desidratar o valor das causas? De fato, os bancos foram muito
competentes no seu esforço para desidratar a conta no STJ. Foram vitórias
esquisitas. As vitórias dos bancos no STJ contra os poupadores sempre ocorreram
virando jurisprudencial consolidada no tribunal. Pode ter sido coincidência. Mas
constatou-se que os ministros do STJ, nos processos relacionados aos bancos,
costumam mudar mais de opinião do que em relação a outros temas. Eles viraram
três jurisprudências consolidadíssimas no STJ. Sempre em detrimento dos
poupadores.
— Qual é o valor da dívida dos bancos com os
poupadores? Essa é
uma questão interessante. Durante os anos de litígio, os bancos disseram que a
conta seria de R$ 150 bilhões. Fizeram isso para atemorizar o Supremo Tribunal
Federal. Diziam que haveria uma crise sistêmica, que levaria a uma quebradeira
de bancos. Na época, o Banco Central endossou essa tese. A gente sempre
sustentou que a conta dos bancos, fruto de terrorismo econômico, era inflada
artificialmente. Nós falávamos em algo como R$ 10 bilhões. Verificando os
balanços dos bancos, vimos que os mais importantes, os maiores haviam
provisionado apenas R$ 6 bilhões para a eventualidade de ter de pagar a dívida
com os poupadores. Mencionei essa cifra na sustentação oral que fiz no plenário
do Supremo. Perguntei: os bancos mentem para o Supremo ou para os seus
acionistas?
(...)
— Como avalia a atuação do governo neste caso? Houve uma mudança nítida de
posição. Nas gestões anteriores, o governo estava claramente ao lado dos
bancos. No governo Dilma Rousseff, o então advogado-geral da União, Luís
Ignácio Adams, fez uma sustentação oral no Supremo na qual declarou que
os poupadores não tinham direito a nada. Depois da posse da ministra Grace
Mendonça, a AGU passou a atuar fortemente para que o acordo ocorresse.
— O que mais lhe chamou a atenção durante os vários
anos de batalha judicial? Primeiro, a constatação de que temos o Judiciário mais caro do mundo em
relação ao PIB. Mesmo assim, não conseguimos resolver em duas décadas um
litígio que atingia 2 milhões de pessoas. O Judiciário é caro e ineficiente. Em
segundo lugar, me impressionou muito a força que os bancos têm no STJ. Eles
ganharam todas as teses que levantaram para reduzir o montante da dívida. Isso
forçou os poupadores a aceitarem um acordo que não contempla o que eles
queriam.
[o único reparo a fazer ao acordo foi a não inclusão no ajuste dos poupadores que não ingressaram na Justiça;
muitos não o fizeram por acreditar que seria impossível ganhar alguma coisa e a maior parte era forma por pessoas de poucas posses e de pouco conhecimento jurídico - a desestimular há o fato de que o reajuste dos salários quando da edição do Plano Collor 1, foi tungado em mais de 80% e houve poucos casos em que os trabalhadores tiveram ganho de causa, visto que o procurador-geral na época Aristides Junqueira impôs ao STF a tese de 'expectativa de direitos' em substituição a que realmente contemplava a situação, ou seja = direitos adquiridos.
A inclusão no acordo dos poupadores que não acionaram a Justiça não traria prejuízos aos bancos que dispõe de registros precisos do valor subtraído de cada poupador deixado de lado.
E que fique o registro que um acordo é fácil de ser estendido a terceiros.]