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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O comandante na tropa de choque do Planalto

Villas Bôas estará um lance de escadas acima de Bolsonaro

Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro atravessa uma turbulência mais persistente do que o esperado para 22 dias de governo - a crise envolvendo as movimentações atípicas do primogênito Flávio Bolsonaro, o iminente envio da reforma da Previdência ao Congresso, a terceira cirurgia - uma das principais lideranças políticas chega ao Planalto para reforçar o seu time de conselheiros. Um líder político que, por ironia, veste farda.
O general Eduardo Villas Bôas transmitiu o comando do Exército há dez dias para o general Edson Pujol. Perdeu o posto, mas não a liderança. O gaúcho de Cruz Alta assume nos próximos dias um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, um lance de escadas acima do gabinete presidencial. Longe do quartel, estará mais próximo do que nunca de Bolsonaro. Os laços de confiança e lealdade entre ambos ficaram evidentes no dia 2, na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa. Diante de uma plateia de oficiais das três Forças, Bolsonaro atribuiu sua vitória nas urnas ao general, e em tom solene, disse que levarão para o túmulo os segredos que trocaram: "o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui".
A leitura automática dessa declaração remonta à polêmica postagem de Villas Bôas em sua conta no Twitter, que constrangeu os ministros do Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do "habeas corpus" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". A mensagem mobilizou os mais de 400 mil seguidores na rede social e estremeceu os pilares da República.

A relação de ambos, no entanto, vem dos anos 90 quando ele percorreu os corredores do Congresso como chefe da assessoria parlamentar do Exército, e Bolsonaro já era o eloquente deputado defensor das prerrogativas militares. A experiência da assessoria parlamentar moldou o lado político do oficial, que galgou postos na carreira a partir de um perfil, simultaneamente, conciliador e estratégico.
"Ele captura o ambiente político para suas falas", concorda o general de divisão Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, que durante quatro anos o assessorou à frente do Centro de Comunicação Social do Exército (CComsex).
Villas Bôas tornou-se influente na esfera federal, o que se tornou visível à medida em que quadros próximos a ele assumiam cargos estratégicos na Esplanada. No ano passado, ele indicou o general Fernando Azevedo e Silva para a chefia de gabinete do presidente do STF, ministro Dias Toffoli - que lhe pediu a recomendação. Meses depois, indicou o mesmo general Fernando ao presidente Bolsonaro para o comando do Ministério da Defesa. Nos últimos dias, Bolsonaro o requisitou mais uma vez para a escolha do porta-voz da Presidência, e ele referendou o nome do general Rêgo Barros.
Villas Bôas já tomou decisões importantes para fugir do conflito, da agressividade, a fim de construir o consenso, considerando de que forma o Exército poderia contribuir nessa ou naquela questão nacional. "Ele procura resolver sem fricção, mesmo que tenha que ceder", diz Rêgo Barros. Comunicador nato, criou a conta no Twitter e um canal no YouTube - "O comandante responde" - para estreitar os laços da Força com a sociedade. A controversa postagem sobre o julgamento do "habeas corpus" de Lula foi precedida de cálculo e estratégia. Rêgo Barros argumenta que Villas Bôas "tinha a compreensão do momento que se vivia, mediu o impacto junto ao público interno e externo e não disse nada que outra pessoa não quisesse dizer".
Com curso de infantaria e de combate na selva no currículo, Villas Bôas poderia ir para casa com a sensação do dever cumprido após 50 anos de Exército. Duelando há anos com a doença neuromotora degenerativa, que limita seus movimentos e dificulta a respiração, ele nem pensou em desertar. Encomendou ternos novos e na última sexta-feira, visitou as instalações do Planalto, onde vai despachar no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), subordinado ao general Augusto Heleno. Heleno é o "guru" do Planalto, nas palavras do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na prática, serão dois "gurus" de Bolsonaro com assento no palácio.
Apesar de todas as intempéries, aos 67 anos, Villas Bôas é lúcido, bem disposto e bem humorado. Intelectual, leitor devotado, "ele fala do alfinete ao foguete", define o amigo Rêgo Barros. A indicação do ex-comandante da Marinha, o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, para a presidência do Conselho de Administração da Petrobras, evoca um episódio anedótico da instauração do regime militar em 1964, quando um marechal passou a rasteira no general em meio à disputa pelo comando da estatal.
O fato é narrado pelo jornalista e escritor Elio Gaspari, no livro "A ditadura envergonhada". Comandante da tropa que marchou de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro para depor o presidente João Goulart, o general Olympio Mourão Filho reivindicava um posto de relevo no novo governo, e lhe foi sugerida a presidência da estatal de petróleo. Ao chegar à sede da empresa para assumir o cargo, foi recebido pelo secretário-geral, que lhe exigiu os documentos necessários para a posse.
Era preciso apresentar uma carteira de identidade provando que era brasileiro nato e um recibo de caução de ações da empresa, visto que somente um acionista poderia exercer a presidência. O general cedeu ao burocrata, e marchou de volta a Juiz de Fora em busca dos documentos. Quando voltou, dias depois, o marechal Ademar de Queiroz, com os papéis em ordem, já estava sentado na cadeira de presidente. O último militar a presidir o conselho de administração da companhia foi o general de brigada Araken de Oliveira, entre 1974 e 1979. 

Andrea Jubé - Valor Econômico