Villas Bôas estará um lance de escadas acima de Bolsonaro
Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro atravessa uma turbulência
mais persistente do que o esperado para 22 dias de governo - a crise
envolvendo as movimentações atípicas do primogênito Flávio Bolsonaro, o
iminente envio da reforma da Previdência ao Congresso, a terceira
cirurgia - uma das principais lideranças políticas chega ao Planalto
para reforçar o seu time de conselheiros. Um líder político que, por
ironia, veste farda.
O general Eduardo Villas Bôas transmitiu o comando do Exército há dez
dias para o general Edson Pujol. Perdeu o posto, mas não a liderança. O
gaúcho de Cruz Alta assume nos próximos dias um gabinete no quarto andar
do Palácio do Planalto, um lance de escadas acima do gabinete
presidencial. Longe do quartel, estará mais próximo do que nunca de
Bolsonaro. Os laços de confiança e lealdade entre ambos ficaram evidentes no dia 2,
na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa.
Diante de uma plateia de oficiais das três Forças, Bolsonaro atribuiu
sua vitória nas urnas ao general, e em tom solene, disse que levarão
para o túmulo os segredos que trocaram: "o que nós já conversamos
morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui".
A leitura automática dessa declaração remonta à polêmica postagem de
Villas Bôas em sua conta no Twitter, que constrangeu os ministros do
Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do "habeas corpus" do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Asseguro à Nação que o
Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de
bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e
à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais". A mensagem mobilizou os mais de 400 mil seguidores na
rede social e estremeceu os pilares da República.
A relação de ambos, no entanto, vem dos anos 90 quando ele percorreu os
corredores do Congresso como chefe da assessoria parlamentar do
Exército, e Bolsonaro já era o eloquente deputado defensor das
prerrogativas militares. A experiência da assessoria parlamentar moldou o lado político do
oficial, que galgou postos na carreira a partir de um perfil,
simultaneamente, conciliador e estratégico.
"Ele captura o ambiente político para suas falas", concorda o general de
divisão Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, que durante
quatro anos o assessorou à frente do Centro de Comunicação Social do
Exército (CComsex).
Villas Bôas tornou-se influente na esfera federal, o que se tornou
visível à medida em que quadros próximos a ele assumiam cargos
estratégicos na Esplanada. No ano passado, ele indicou o general
Fernando Azevedo e Silva para a chefia de gabinete do presidente do STF,
ministro Dias Toffoli - que lhe pediu a recomendação. Meses depois, indicou o mesmo general Fernando ao presidente Bolsonaro
para o comando do Ministério da Defesa. Nos últimos dias, Bolsonaro o
requisitou mais uma vez para a escolha do porta-voz da Presidência, e
ele referendou o nome do general Rêgo Barros.
Villas Bôas já tomou decisões importantes para fugir do conflito, da
agressividade, a fim de construir o consenso, considerando de que forma o
Exército poderia contribuir nessa ou naquela questão nacional. "Ele
procura resolver sem fricção, mesmo que tenha que ceder", diz Rêgo
Barros. Comunicador nato, criou a conta no Twitter e um canal no YouTube - "O
comandante responde" - para estreitar os laços da Força com a sociedade.
A controversa postagem sobre o julgamento do "habeas corpus" de Lula
foi precedida de cálculo e estratégia. Rêgo Barros argumenta que Villas
Bôas "tinha a compreensão do momento que se vivia, mediu o impacto junto
ao público interno e externo e não disse nada que outra pessoa não
quisesse dizer".
Com curso de infantaria e de combate na selva no currículo, Villas Bôas
poderia ir para casa com a sensação do dever cumprido após 50 anos de
Exército. Duelando há anos com a doença neuromotora degenerativa, que
limita seus movimentos e dificulta a respiração, ele nem pensou em
desertar. Encomendou ternos novos e na última sexta-feira, visitou as instalações
do Planalto, onde vai despachar no Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), subordinado ao general Augusto Heleno. Heleno é o "guru" do
Planalto, nas palavras do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Na prática, serão dois "gurus" de Bolsonaro com assento no palácio.
Apesar de todas as intempéries, aos 67 anos, Villas Bôas é lúcido, bem
disposto e bem humorado. Intelectual, leitor devotado, "ele fala do
alfinete ao foguete", define o amigo Rêgo Barros. A indicação do ex-comandante da Marinha, o almirante Eduardo Bacellar
Leal Ferreira, para a presidência do Conselho de Administração da
Petrobras, evoca um episódio anedótico da instauração do regime militar
em 1964, quando um marechal passou a rasteira no general em meio à
disputa pelo comando da estatal.
O fato é narrado pelo jornalista e escritor Elio Gaspari, no livro "A ditadura envergonhada". Comandante da tropa que marchou de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro
para depor o presidente João Goulart, o general Olympio Mourão Filho
reivindicava um posto de relevo no novo governo, e lhe foi sugerida a
presidência da estatal de petróleo. Ao chegar à sede da empresa para assumir o cargo, foi recebido pelo
secretário-geral, que lhe exigiu os documentos necessários para a posse.
Era preciso apresentar uma carteira de identidade provando que era
brasileiro nato e um recibo de caução de ações da empresa, visto que
somente um acionista poderia exercer a presidência. O general cedeu ao
burocrata, e marchou de volta a Juiz de Fora em busca dos documentos. Quando voltou, dias depois, o marechal Ademar de Queiroz, com os papéis em ordem, já estava sentado na cadeira de presidente. O último militar a presidir o conselho de administração da companhia foi
o general de brigada Araken de Oliveira, entre 1974 e 1979.
Andrea Jubé - Valor Econômico
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