Gradualmente, viagens aéreas deixaram de ser bons momentos para se
converter em tormentos. Com as bênçãos da ANAC, os abusos são praticados
aos milhares, cotidianamente, e começam na total impossibilidade de
contato entre o viajante e essa coisa rara nas “aéreas” que é um ser
humano. Lida-se apenas com insensíveis plataformas e questões
catalogadas, fora das quais não há salvação para o cliente.
Telefonar?
Esqueça. Um dia, dois dias de tentativas infrutíferas e, por fim, o
telefone atende para que um robô, um desgraçado robô, jogue você de
volta à plataforma e suas xaradas. Os preços? Como assim, “preços”?
Voos
são mercadoria de preços flutuantes entre o caríssimo e o disparate!
Dependem do dia, da hora, das angulações entre Júpiter e Saturno. Se
você não se importa em sair de madrugada e chegar a seu destino nacional
no dia seguinte, depois de atravessar de ponta a ponta, com mala e
mochila, terminais de diferentes cidades, talvez a sorte lhe sorria com
uma tarifa um pouco mais simpática.
Estou
exagerando na ironia? Não mais do que as companhias aéreas em sua
perversidade. Elas esperam que você não meça mais de 1,60m, viaje com as
mãos no bolso e escova de dentes acomodada ao lado da caneta. Sua mala é
requinte pelo qual há que pagar caro.
Você já tentou por necessidade de
serviço, alterar o dia de uma viagem? Reze para que isso nunca lhe
aconteça! O telefone, lembre-se, será inútil. Procure uma loja da
empresa. Hein? Empresas aéreas não têm lojas? Só no aeroporto? Pois é.
Lá se inteirará de outras maldades. Empresas comerciais que transportam
passageiros pelos ares são as únicas no mundo que se sentem autorizadas a
cobrar multa de seus clientes!
Crie um
negócio e estabeleça multa aos clientes que precisarem reagendar algum
contato (não, não estou falando de atraso de pagamento, estou falando de
reagendar) e verá sua agenda esvaziar-se.
Não bastante esse insulto,
ainda lhe aplicam uma tal “nova tarifa” muito superior ao valor que você
já pagou para a mesma viagem, no mesmo horário há poucos dias. Isso
significa que sai mais barato jogar fora seu bilhete e comprar outro.
Perguntei à pessoa que me passou tal informação se aquele montante não a
constrangia e ela disse que sim. Quer mais? Tente pedir à companhia para
não voar o trecho final da passagem que comprou e pelo qual pagou. A
remissão implica multa e “nova tarifa” para todo o bilhete.
Aí você
começa a sentir aquela nostalgia que lhe vem da simples menção à palavra
Varig. Aí você começa a entender por que as “aéreas” não fazem mais
publicidade. Não têm o que dizer de bom sobre si mesmas. Com as bênçãos
da ANAC.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.