Nos partidos do governo e na oposição proliferam ideias sobre reação institucional, com novas leis para impor limites aos juízes e aos tribunais superiores
O Legislativo e o Judiciário estão em atrito. O cardápio da crise é extenso. Entre outros, estão temas como marco temporal na demarcação de terras indígenas, aborto, drogas, lei eleitoral, inelegibilidade de Jair Bolsonaro, punições severas aos envolvidos na insurreição de 8 de janeiro e até a tenho judicial de salários.
O problema central, no entanto, está numa disputa de poder, condimentada pelo desejo manifesto de parlamentares governistas e da oposição de impor limites ao Judiciário, principalmente ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e ao tribunal Superior Eleitoral.
“O Supremo está legislando” — é a frase mais repetida nos plenários da Câmara e do Senado. Na maioria das vezes, ela serve para ocultar a negligência, lassidão, omissão ou indecisão deliberadas, que é uma forma política de decidir.
Na quarta-feira, por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado resolveu agilizar a aprovação de um projeto restringindo a demarcação de terras indígenas às glebas ocupadas até 1988, ano da promulgação do texto constitucional.
Quando a comissão parlamentar azeitou o calendário de aprovação do projeto, do outro lado da Praça dos Três Poderes os juízes já estavam votando o marco temporal para 266 áreas indígenas – e no sentido oposto ao pretendido pelo Senado.
A intervenção do Supremo nesse assunto foi provocada pela omissão legislativa: o Congresso demorou 17 anos para analisar um projeto de regulação (nº 2.903) que já passou pela Câmara e agora está no Senado.
Sobraram protestos, como o senador Jayme Campos, do União Brasil do Mato Grosso: “O Supremo Tribunal Federal não respeita mais aqui o Congresso Nacional. Ouvi alguns Senadores, como o próprio Jorge Seif (SC), dizendo: ‘Ora, o que adianta estarmos votando aqui essa matéria se o Supremo quer legislar, usurpando as nossas atribuições a as nossas competências?’ Onde está o Congresso? Nós temos que reagir. Não é possível!”
Remanesceram ameaças, algumas explícitas como a do senador Carlos Vianna, do podemos de Minas: “Nós temos que, sem revanches, com transparência e com equilíbrio, começar a dizer com clareza ao Supremo Tribunal Federal: há um limite na República. É necessário que eles pisem no freio. E, se for preciso, a gente faz novas leis para dizer com clareza quais são os limites.”
Prosseguiu: “Nesses últimos anos, as decisões estão sendo tomadas na caneta de quem não foi eleito para poder legislar. Nós precisamos reagir, porque deixamos que a situação chegasse a um ponto em que hoje começa até questionamento sobre a necessidade do Parlamento.”
A ideia de revisão de limites de ação do Judiciário seduz parlamentares de todos os partidos. Alguns propõem ir além, com reformatação de segmentos como a Justiça Eleitoral.
Até agora, esse tipo de discurso estava restrito à ala radical bolsonarista abrigada no principal carro-chefe da oposição, o Partido Liberal. Foi adotado pela bancada governista. A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, pôs a Justiça Eleitoral no alvo ao reclamar das multas aos partidos aplicadas a partir de uma “visão subjetiva da equipe técnica do Tribunal [Superior Eleitoral], que sistematicamente entra na vida dos partidos querendo dar orientações, interpretando a vontade dos dirigentes e a vontade dos candidatos. São multas que inviabilizam a vida dos partidos que são a base da sociedade democrática.”
Por enquanto, tem-se uma crise derivada de múltiplos atritos entre Congresso e Judiciário. Há risco de rápida evolução para um conflito institucional.
José Casado - Coluna em VEJA