J. R. Guzzo
Para que aprovar uma lei se os ministros do Supremo Tribunal Federal vão dizer que ela não vale?
O Congresso Nacional
serve para duas coisas no Brasil de hoje. A primeira é fornecer uma
aparência de legalidade ao regime que está em vigor – algo como um
certificado de “nada consta” para exibir na ONU, ao New York Times e coisas parecidas.
A segunda é distribuir dinheiro público para deputados e senadores através das “emendas parlamentares” – o até há pouco tempo amaldiçoado “orçamento secreto”,
que hoje é reverenciado pelos analistas políticos como um alicerce da
“governabilidade”.
O que o Congresso não faz é cumprir a obrigação
principal que lhe foi destinada na Constituição:
aprovar as leis do Brasil, coisa que ninguém mais está autorizado a
fazer.
A maioria dos congressistas dá a impressão de não ligar para
isso.
Mas também não adiantaria nada se eles ligassem.
As leis que já
aprovaram podem ser anuladas a qualquer momento pelo STF.
As que querem aprovar podem ser declaradas “inconstitucionais”.
E as que não querem? O STF pode mandar que aprovem.
Realmente:
para que aprovar uma lei, dentro de absolutamente todos os conformes,
se os ministros do Supremo vão dizer que ela não vale?
O caso do “marco temporal”
é a última aberração da série que o STF vem produzindo em tempo real,
sobre quaisquer assuntos, há pelo menos quatro anos.
A Câmara dos
Deputados aprovou por 283 votos contra 155, agora no dia 30 de maio, uma
lei estabelecendo que as tribos indígenas só podem reivindicar a
demarcação das terras que elas já estivessem ocupando até 1988, ou 35
anos atrás.
Foram quinze anos inteiros de discussão; poucas vezes a
Câmara debateu um assunto por tanto tempo e com tanto cuidado.
Também é
difícil achar um caso tão evidente de maioria – e a maioria dos votos na
Câmara representa a vontade da maioria dos brasileiros.
Não há,
simplesmente, nenhum outro meio legal de se determinar isso. Mais: o
projeto que os deputados aprovaram foi para o Senado, e já recebeu, na
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, a aprovação dos senadores,
por 13 votos a 3.
Está, obviamente, a caminho de ser aprovada na
Comissão de Justiça e, em seguida, no plenário.
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O STF, antes da votação final do Senado, acaba de decidir que o “marco temporal” é contra a Constituição.
Por quê?
Não há, como em tantas outras decisões do tribunal, nenhum
argumento coerente para achar isso. Também não há “dúvidas”, ou “vazio
legal”, em torno do tema. Foi para eliminar todos os possíveis pontos
obscuros, justamente, que a Câmara aprovou uma lei depois de quinze anos
de debate. O que mais se pode exigir?
Não se trata de saber se o marco é
certo ou errado, justo ou injusto. É lei. Mas lei, no Brasil, é a
vontade do STF.