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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A liberdade proibida - J. R. Guzzo

Revista Oeste

Não é mais permitido, segundo os termos expostos pelo ministro Luís Roberto Barroso, discordar das decisões do Supremo Tribunal Federal

Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal | Foto: Carlos Moura/SCO/STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, baixou mais uma instrução sobre os deveres que o cidadão brasileiro deve cumprir para receber o certificado de nada consta” exigido pelo regime político que ele próprio e os seus colegas estão impondo hoje ao Brasil. 
Trata-se, nesta última carta apostólica à nação, de uma proibição fundamental: não é mais permitido, segundo os termos expostos pelo ministro, discordar das decisões do Supremo.  
Ele ainda não diz isso com todas as letras, pontos e vírgulas, mas dá na mesma
Barroso determinou que o ato de criticar a militância política do STF é uma postura antidemocrática, já na fronteira da ilegalidade penal. Aí fica difícil. O que se condena no STF não são as preferências políticas pessoais dos ministros; são as decisões que tomam, dia após dia, e que violam as leis e a Constituição Federal do Brasil. Mas isso, segundo a verdade oficial que eles próprios criaram, é uma acusação de “ativismo político” — não tem valor nenhum, portanto. O resultado prático dessa contrafação da realidade é que fica moralmente proibido criticar o STF.

“Com frequência as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição, ou eventualmente da democracia”, disse Barroso em mais um desses simpósios que os ministros tanto frequentam, no Brasil e sobretudo no eixo Nova York-Paris-Lisboa. (Ali, justamente, quase só falam de política.) “Decisões que elas não gostam”?  
É uma avaliação que está simplesmente contra os fatos. 
Quando a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, diz que proibir as sustentações orais feitas pelos advogados no STF é uma violação do direito de defesa, isso não é acusar ninguém de “ativismo político”, mas apenas apontar uma decisão ilegal. 
A crítica não é porque a OAB “não gostou” da proibição. 
É porque ela acha que a proibição é contra a lei. 
Tem todo o direito de achar isso, não apenas por ter a função de assegurar as prerrogativas dos advogados — é o que lhe garante, também, a liberdade constitucional de expressão.Não é mais permitido, segundo os termos expostos pelo ministro Barroso, discordar das decisões do Supremo | Foto: Carlos Moura/SCO/STF

É fato acima de qualquer discussão que a OAB não é uma organização de “extrema direita”. 
Mas é para esse purgatório que a entidade está sendo empurrada por Barroso e pelos seus manifestos — ele deixou claro, em sua última conferência, que é exatamente essa espécie de gente, a “direita”, que realmente critica o STF no Brasil de hoje. Até a OAB?  
É uma comprovação a mais da nuvem de irracionalidade, cada vez mais escura, que se formou sobre a vida pública brasileira pela ação do STF. A maioria dos ministros abandonou suas funções como juízes do principal tribunal de Justiça do país — em vez disso, criaram uma junta de governo que se propõe a mandar na sociedade brasileira. 
Não há escolha, nesse caso. Um governo ilegal tem, obrigatoriamente, de violar a lei — não pode, ao mesmo tempo, exercer poderes que não tem e sustentar que está cumprindo funções legítimas. É simples. 
O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, quer julgar no STF uma agressão verbal que ele alega ter recebido no Aeroporto de Roma; na sua interpretação, o episódio está ligado aos acontecimentos do último dia 8 de janeiro, em Brasília. A partir daí, segundo os advogados de defesa, é tudo ilegal. Pergunta: por que uma posição tão legítima como essa seria “não gostar” da Constituição e da democracia? 
 
A suposta agressão aconteceu no dia 15 de julho, cinco meses depois dos distúrbios de Brasília. 
O único crime pelo qual o acusado poderia ser processado é o de injúria, que prevê pena de detenção e tem de correr na Justiça comum, e não na suprema corte constitucional do país. 
O episódio de Brasília foi um quebra-quebra, e não uma tentativa de “golpe de Estado” — algo materialmente impossível de ter sido praticado pelos réus processados neste momento pelo STF e condenados com até 17 anos de cadeia. Não há nenhuma prova da acusação feita; os vídeos do sistema de segurança do Aeroporto de Roma, ao contrário, não revelam a prática de qualquer delito. 
Não existe, até agora, nem sequer uma denúncia do Ministério Público contra o acusado, mas o ministro, que vai participar do eventual julgamento, já decidiu que é um “assistente de acusação” — função que, pela lei, simplesmente não existe na fase de inquérito. Expor esses fatos, porém, é agir contra “a democracia”, segundo a última bula papal expedida pelo ministro Barroso.

Esse é apenas um caso, entre dezenas ou possivelmente centenas de outros que vêm sendo criados pelo STF nos últimos cinco anos — desde, pelo menos, o dia 14 de março de 2019, quando abriu (e nunca mais fechou) um inquérito para apurar “fake news” e uma quantidade de crimes em eterna expansão. Pode cair ali, desde então, todo e qualquer crime classificado pelo STF como “ato antidemocrático”. Tudo serve. Dizer que um ministro é “vendido”, ou coisa que o valha, deixou de ser um crime de injúria. Passou a ser tentativa de derrubar o “estado de direito” e, como tal, sujeito a julgamento no próprio STF — conforme as regras do regimento interno do tribunal, e não do processo penal estabelecido pelas leis brasileiras. Quem é condenado, ao contrário do que ocorre com qualquer criminoso, por mais hediondo que tenha sido o seu crime, não tem o direito de recorrer à instância superior. A questão agora levantada pelo presidente do STF, porém, não diz respeito apenas a uma discussão sobre legalidade. O que ele fez foi uma declaração de guerra à liberdade — e um pronunciamiento em favor da abolição do império da lei no Brasil.

O mesmo Barroso disse, no auge da campanha eleitoral do ano passado, que a quantidade de pessoas presentes nas comemorações do Sete de Setembro iria determinar “o número de fascistas no Brasil”.
Isso poderia ser, em qualquer sistema racional de conduta, a declaração de um juiz imparcial?
 
Barroso diz que as decisões atuais do STF são um “dique” contra o que ele considera ser “o avanço do autoritarismo”. Pedir que a defesa conserve o direito à sustentação oral seria, no entendimento do ministro, uma atitude autoritária? E protestar contra a inclusão de uma conversa de WhatsApp no inquérito policial dos “atos antidemocráticos” seria “não gostar” da Constituição? 
É esse tipo de contrassenso flagrante que forma o núcleo duro do pensamento de Barroso. 
A lógica comum fica abolida em todas as questões relativas ao STF; sai o raciocínio baseado na observação dos fatos e entram a Vontade Divina, que não pode ser entendida pelo homem, e a obediência aos “deveres de Estado”, tais como eles são definidos nos despachos do tribunal. 
Seu presidente pode dizer, caso alguém lhe pergunte alguma coisa, que não estava falando das críticas sinceras, construtivas e bem-intencionadas, mas apenas de todas as outras. Tanto faz. Ele afirmou que a discordância em relação ao Supremo, “geralmente”, é coisa de quem não gosta da Constituição e da democracia — ficando a cargo dos ministros, pelo que se pode deduzir, dizer quais são as exceções admitidas.
 
É curioso que o ministro louvado pela mídia, pelo governo Lula e pelo resto da esquerda nacional por negar o ativismo político do STF seja justo ele, o presidente Barroso. O ministro disse há pouco, num evento do PCdoB: “Nós derrotamos o bolsonarismo”
Se isso não é fazer política explícita, o que poderia ser? 
Um magistrado do Supremo, ou de qualquer outro tipo, não está no seu cargo para derrotar um candidato legal à Presidência da República. 
Está lá para cumprir a Constituição do país. 
E os 58 milhões de cidadãos brasileiros que exerceram o seu direito de votar em Bolsonaro — também foram “derrotados” pelo STF?  
O mesmo Barroso disse, no auge da campanha eleitoral do ano passado, que a quantidade de pessoas presentes nas comemorações do Sete de Setembro iria determinar “o número de fascistas no Brasil”. Isso poderia ser, em qualquer sistema racional de conduta, a declaração de um juiz imparcial? 
O ministro afirmou ainda que “eleição não se ganha, se toma”. Depois disse que estava brincando, mas é aí que está o problema — ele falou o que falou. Não está tudo bem. 
Mas fica pior quando Barroso, agora, vem negar que haja atividade política no STF — e acusar quem acha isso de ser inimigo da “Constituição” e da “democracia”.

Fica mais complicado ainda quando o ministro Gilmar Mendes avisa, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que não adianta nada o Congresso aprovar uma lei que limita os poderes do STF, porque os ministros vão declarar que essa lei é ilegal. 
É uma declaração que diz muito, ou diz tudo, sobre o respeito que o Supremo realmente tem pelo Poder Legislativo.
 O fato é que o Brasil está vivendo num regime onde o governo não precisa do consentimento dos governados para governar. 
Precisa, apenas, declarar a si próprio como a única fonte autorizada a estabelecer direitos e deveres para a sociedade brasileira. Como diz, de novo, o ministro Barroso — estamos aqui para empurrar a História.

Leia também “Aqui é permitido roubar

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste
 

domingo, 24 de setembro de 2023

Decisão do STF que derruba marco temporal torna o Congresso inútil - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Para que aprovar uma lei se os ministros do Supremo Tribunal Federal vão dizer que ela não vale?

O Congresso Nacional serve para duas coisas no Brasil de hoje. A primeira é fornecer uma aparência de legalidade ao regime que está em vigor – algo como um certificado de “nada consta” para exibir na ONU, ao New York Times e coisas parecidas.  
A segunda é distribuir dinheiro público para deputados e senadores através das “emendas parlamentares”o até há pouco tempo amaldiçoado “orçamento secreto”, que hoje é reverenciado pelos analistas políticos como um alicerce da “governabilidade”. 
O que o Congresso não faz é cumprir a obrigação principal que lhe foi destinada na Constituição: aprovar as leis do Brasil, coisa que ninguém mais está autorizado a fazer.  
A maioria dos congressistas dá a impressão de não ligar para isso. 
Mas também não adiantaria nada se eles ligassem. 
As leis que já aprovaram podem ser anuladas a qualquer momento pelo STF
As que querem aprovar podem ser declaradas “inconstitucionais”. 
E as que não querem? O STF pode mandar que aprovem.
Realmente: para que aprovar uma lei, dentro de absolutamente todos os conformes, se os ministros do Supremo vão dizer que ela não vale? 
O caso do “marco temporal” é a última aberração da série que o STF vem produzindo em tempo real, sobre quaisquer assuntos, há pelo menos quatro anos. 
A Câmara dos Deputados aprovou por 283 votos contra 155, agora no dia 30 de maio, uma lei estabelecendo que as tribos indígenas só podem reivindicar a demarcação das terras que elas já estivessem ocupando até 1988, ou 35 anos atrás. 
Foram quinze anos inteiros de discussão; poucas vezes a Câmara debateu um assunto por tanto tempo e com tanto cuidado. 
Também é difícil achar um caso tão evidente de maioria – e a maioria dos votos na Câmara representa a vontade da maioria dos brasileiros. 
Não há, simplesmente, nenhum outro meio legal de se determinar isso. Mais: o projeto que os deputados aprovaram foi para o Senado, e já recebeu, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, a aprovação dos senadores, por 13 votos a 3. 
Está, obviamente, a caminho de ser aprovada na Comissão de Justiça e, em seguida, no plenário.
O STF, antes da votação final do Senado, acaba de decidir que o “marco temporal” é contra a Constituição.  Por quê?  
Não há, como em tantas outras decisões do tribunal, nenhum argumento coerente para achar isso. Também não há “dúvidas”, ou “vazio legal”, em torno do tema. Foi para eliminar todos os possíveis pontos obscuros, justamente, que a Câmara aprovou uma lei depois de quinze anos de debate. O que mais se pode exigir? 
Não se trata de saber se o marco é certo ou errado, justo ou injusto. É lei. Mas lei, no Brasil, é a vontade do STF.
 
 
J. R. Guzzo,  colunista - O Estado de S. Paulo