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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O Conselho da Amazônia - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Investidores estrangeiros não estão interessados no meio ambiente, só na Região Amazônica

A Amazônia não é uma questão regional, mas nela se joga a soberania do País. Os olhos de outros Estados estão para lá voltados. Nada aí é inocente. Engana-se quem pensa somente na questão ambiental. Os europeus, em particular, acham que o destino de seus próprios países se decide ali. Tudo o que acontece nesse bioma não tem significação exclusivamente local, ganha dimensão internacional. Goste-se ou não, queira-se ou não, a Amazônia é uma caixa de ressonância planetária. Eis a realidade incontornável.
 
[EXATAMENTE, EXATO;
o Meio Ambiente não tem o menor valor, não gera nenhuma preocupação.
O que eles querem é a Amazônia e para tanto contam com o apoio dos indígenas, de maus brasileiros que, por ganância ou estupidez, estão a serviço das potências estrangeiras.
Aquele francês, o Macron, quando falou em internacionalizar a Amazônia jogou um balão de ensaio buscando saber a reação do Brasil sobre abrigar uma colônia mundial.
Buscou também defender os interesses dos  agricultores franceses que não tem condições de concorrer, de forma limpa, com o agronegócio brasileiro.]

Uma queimada na Amazônia tem uma significação; na Austrália, outra. Esse país literalmente arde em chamas em várias de suas regiões, porém não se ouve nenhuma grande manifestação mundial ambiental acusando o governo australiano de irresponsabilidade. [o mesmo raciocínio é válido para os incêndios na Califórnia - nem uma linha é escrita chamando o governo americano de irresponsável com o meio ambiente.] Uma queimada na Amazônia é imediatamente vista como descaso governamental, ação do agronegócio, e assim por diante. Tudo se torna, de uma maneira ou de outra, irresponsabilidade ou “crime”. Não que queimadas não devam ser rigorosamente monitoradas e combatidas, mas o problema consiste no modo midiático de sua repercussão.

Talvez não haja nenhuma outra região do mundo que tenha tantas ONGS por quilômetro quadrado. É uma verdadeira poluição midiática, sem organismo ambiental que a combata! Umas fazem bem o seu trabalho de preservação ambiental, outras estão a serviço de outros países, que veem o Brasil como concorrente no agronegócio. Quantos mais entraves aqui, melhor para eles. As interconexões são bem articuladas, tendo ganho um slogan bem conhecido, “florestas lá (no Brasil), fazendas aqui (nos EUA)”, [“Forests there, farms here”]  fórmula há alguns anos utilizada pela Confederação Americana de Fazendeiros. Sejam as ONGs do “bem”, sejam do “mal”, todas atuam nessa região conforme seus próprios canais midiáticos e digitais nas redes sociais. O barulho é ensurdecedor e o País não sabe agir nem reagir adequadamente.

Eis por que a política de enfrentamento não tem chance de ser bem-sucedida. Valem aqui argumentos, negociações e políticas públicas de assistência à região. De nada adianta acusar, pois o contragolpe será forte e contará, ademais, com o apoio de grande parte da opinião pública nacional e internacional. O País tem muito que mostrar, mas comunica-se mal e sua imagem é socialmente ruim. Por exemplo, o Brasil tem o instituto da reserva legal, que obriga, por exemplo, um produtor da Amazônia a conservar ambientalmente 80% de sua propriedade. Acima desse porcentual hoje está preservado com vegetação nativa nessa imensa área. Outro exemplo: 13% do território é constituído de área indígena, para 500 mil indígenas em área rural e outro tanto aproximadamente em zona urbana, segundo o IBGE.

Uma coisa é a realidade e outra, sua percepção e transmissão. Muito também pode ser feito na regularização fundiária, na titulação dos assentamentos, no desenvolvimento econômico e social da região, que, muito bem apontado pelo ministro Paulo Guedes em Davos, enfrenta problemas graves de pobreza, que devem ser contemplados. A assistência técnica é central. Combinar sustentabilidade, agricultura e pecuária é imperativo. O desmatamento ilegal deve ser rapidamente combatido, e assim por diante.

Se o Brasil mantiver simplesmente o status quo, terá graves prejuízos, dentre os quais o mais imediato poderá ser a exigência de um selo ambiental dos produtos exportados da Amazônia ou de empresas que lá atuam. Seria uma barreira não tarifária que traria grandes prejuízos para o agronegócio. Exigências ambientais fazem cada vez mais parte do comércio internacional, tendência que tende a crescer. Na verdade, investidores internacionais não estão interessados no meio ambiente em geral, mas particularmente na Amazônia. Eis o nó da questão. Não querem saber da agricultura e da pecuária no Sul ou no Sudeste, tampouco das cidades, que são as maiores poluiodoras, com esgotos a céu aberto e dejetos lançados nos rios. Nem a poluição dos automóveis é levada em consideração. O único ponto importante é a Amazônia. Eis por que a iniciativa de criação do conselho é da maior importância, o governo apresentando manifestamente um déficit nessa área.

O presidente Jair Bolsonaro em boa hora criou o Conselho da Amazônia, sob a coordenação do vice-presidente Hamilton Mourão. Seu objetivo consiste em enfrentar essa grave questão mediante o agrupamento e a operacionalização de vários órgãos estatais e ministérios, como os da Agricultura, do Meio Ambiente, da Defesa, Infraestrutura, Minas e Energia. A importância da iniciativa já surge dessa própria organização, uma vez que o trabalho foi confiado ao vice-presidente, a segunda maior autoridade da República, aí com funções propriamente executivas. Ademais, o vice-presidente é pessoa afeita ao diálogo, sabe se comunicar e não funciona politicamente a partir da distinção amigo/inimigo. Cabe esperar, agora, que essa coordenação se torne efetiva e não seja boicotada por rivalidades ministeriais menores. O apoio presidencial será decisivo.

Denis Lerrer Rosenfield, professor - O Estado de S.Paulo.