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sexta-feira, 23 de julho de 2021

A vida de exilado do ex-superintendente da PF que denunciou Ricardo Salles [quem procura, acha! acusar sem provas, é crime]

Alexandre Saraiva agora é delegado — sem equipe — em uma cidade do interior 

Mal o enrolado Ricardo Salles acabara de pedir demissão do Ministério do Meio Ambiente, em 23 de junho, e uma mensagem em tom de ironia pipocava no Instagram, expedida a 1 160 quilômetros de Brasília: “E eu continuo delegado da Polícia Federal”.  [delegado Saraiva, acusar sem provas é crime - no mínimo denunciação caluniosa; se Ricardo Salles acusado de tudo quanto é ruim (já foi acusado de de ter bombardeado Hiroshima e Nagasaki - a acusação só não foi noticiada pela mídia militante, devido ele ter nascido depois daqueles bombardeios) for condenado o senhor terá chances de recuperar seu prestígio.  

Mas, sendo Salles inocentado - até agora são acusações e mais acusações, nada foi provado - o senhor tem que ser punido na forma da legislação adequada. Quanto a provocação, o deboche, até agora se revelou que foi apenas mais um elemento para justificar seu merecido exílio. Volta Redonda não é uma cidade pequena e seu salário permanece integral - claro que sendo inocentado, o agora ex-ministro tem todo o direito de buscar no Poder Judiciário a reparação de todos que o caluniaram, o que inclui o senhor.]

A provocação partiu de Alexandre Saraiva, 50 anos, superintendente da PF no Amazonas removido do cargo depois de apresentar ao Supremo Tribunal Federal uma série de denúncias de interferência indevida do ministro em ações policiais. Por mais que se deleite com o fato de Salles ter perdido o emprego e ele não, Saraiva está longe de viver no melhor dos mundos.

O ex-mandachuva das operações contra a extração ilegal de madeira na região amazônica hoje dá expediente em uma pequena sala em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro, sem equipe e com pouco para fazer. “Voltei a ser soldado raso, na base da pirâmide. Não tenho mais função de chefia”, lamentou a VEJA, em entrevista em um restaurante local. O exílio é um castigo? “Só posso afirmar que há uma estranha coincidência de causa e efeito entre a apresentação da notícia-crime e a minha destituição”, afirma o delegado, há quase vinte anos na PF.

Acostumado a comandar centenas de policiais em grandes operações mata adentro, Saraiva trabalha hoje com outros quatro delegados e trinta agentes — nenhum subordinado a ele — em uma área de atuação que abrange nove cidades do Sul Fluminense. Uma operação recente de que participou resultou na prisão em flagrante de um casal com 1 000 reais em notas falsificadas. Nascido em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, Saraiva diz que não tem amigos no exílio volta-redondense e passa o tempo livre dirigindo duas relíquias, um jipe Willys 1963 e uma picape Rural Ford 1981, por estradas de terra batida. Sempre que pode, isola-se no seu sítio em Petrópolis, na Região Serrana, onde fotografa pássaros, lê, toca violão e assiste aos jogos do Flamengo.

A calmaria atual não lembra em nada o trabalho na Amazônia, onde recebia frequentes ameaças de morte — o aplicativo do celular apreendido de um madeireiro trazia foto sua e a frase: “Alvo a ser abatido”. Para se defender, conta que montou uma ampla rede de informantes que lhe repassavam planos de possíveis atentados. “Agora sou o exército de um homem só”, descreve Saraiva, que não dispensa a companhia da pistola Glock 9 milímetros e gosta de mostrar a tatuagem no braço direito, em inglês meio enviesado: “Born to war” (Nascido para a guerra). Uma de suas últimas realizações em Manaus foi a defesa, com nota máxima, da tese de doutorado em ciências ambientais e sustentabilidade, na Universidade Federal do Amazonas. Título: “Organização criminosa na Amazônia brasileira”.

Superintendente da PF amazonense desde 2017, Saraiva já vinha sendo alvo, nos bastidores, de seguidas investidas de senadores de Roraima e do Pará, insatisfeitos com sua atuação. O caldo entornou de vez quando encaminhou ao STF a denúncia de que Salles agiu para obstruir o andamento da Operação Handroanthus, que, em novembro passado, realizou uma apreensão recorde de madeira ilegal: mais de 200 000 metros cúbicos, no valor de 130 milhões de reais. O ministro tomou claro partido dos madeireiros, insistindo na tecla de que não se deve “demonizar” o setor. O documento enumera ao menos três delitos que teriam sido cometidos por ele: integrar organização criminosa, dificultar a ação fiscalizadora do poder público e exercer advocacia administrativa. Salles “patrocina diretamente interesses privados e ilegítimos perante a administração pública”, pontuou o delegado.

Em uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, o então ministro pediu a cabeça de Saraiva ao presidente Jair Bolsonaro e o afastamento foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte. “Tinha a opção de permanecer no Amazonas, mas sem o cargo, sem carro blindado e sem auxílio moradia, totalmente exposto. As outras possibilidades eram delegacias onde já havia trabalhado, em Nova Iguaçu, São Luís, Boa Vista e Volta Redonda”, relata. Ele optou por essa última, por causa do único filho, Ricardo Selva, o Selvinha (referência, segundo ele, à floresta que é sua paixão), de 6 anos, que mora lá com sua ex-mulher. A VEJA, amigos de Saraiva na PF o descreveram como alguém que “gosta de correr riscos”, é “obstinado” no trabalho e busca sempre “exercer protagonismo”. Um deles alertou: “É vingativo. Não pisa no calo dele”. Exilado em sua sala em Volta Redonda, o delegado Saraiva fala do futuro em tom pacífico: pensa em, paralelamente ao trabalho na PF, dar aulas de direito ambiental em alguma faculdade.

Brasil - VEJA

Publicado em VEJA,  edição nº 2748 de 28 de julho de 2021

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O custo da pirraça – O Estado de S. Paulo

Opinião

Como sempre, Bolsonaro tentou transferir uma responsabilidade que é majoritariamente de seu governo. 

E ainda tratou países europeus como receptadores de produtos roubados.  

O presidente Jair Bolsonaro usou a mais recente cúpula do Brics para atacar os países europeus que criticam a política ambiental de seu governo. [Bolsonaro criticou os países europeus por comprarem produtos brasileiros provenientes de desmatamento 'ilegal' - desmatamento que criticam.
Os europeus são tão pretensiosos, para dizer o mínimo, que querem que o Brasil combata o desmatamento, impeça que produtos do desmatamento ilegal seja impedidos de embarcar para a Europa. 
A filosofia vesga deles é que se o Brasil não impediu o embarque, a mercadoria chegou, eles podem comprar e receber o produto sem restrições.
Esquecem aqueles senhores e as Ong's vendidas que os apoiam, bem como os especialistas em nada que malham o Brasil, que a melhor forma de combater um comércio ilícito (seja de madeira, de drogas, etc) é controlando a demanda.
Se os presidentes franceses, alemães, etc, apreendessem e confiscassem as cargas ilegais após ingressarem em suas águas territoriais, seria  perda total para o comprador e/ou vendedor que desistiriam de embarcar cargas para a Europa. E os navios empregados no transporte ilícito seriam apreendidos e obrigados ao pagamento de uma multa milionária.]
Não eram nem a hora nem o lugar apropriados para isso, mas Bolsonaro jamais se preocupou com esses detalhes protocolares que regem a relação civilizada entre os países, especialmente quando se trata de exercitar sua diplomacia da pirraça. No entanto, é difícil saber que interesses do Brasil foram defendidos por Bolsonaro quando este, em seu dialeto peculiar e claramente de improviso, decidiu denunciar “países que tenham importado madeira de forma ilegal da Amazônia”, ressaltando que “alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo tocante a essa Região Amazônica”.

A manifestação de Bolsonaro, em lugar de aplacar as críticas, prejudica ainda mais o Brasil. Expõe a precariedade da fiscalização e da aplicação da lei sobre a extração de madeira, acentuada durante o atual governo – que trata a preocupação ambiental como entrave ao “progresso”. Em primeiro lugar, a maior parte da madeira extraída da Amazônia, cerca de 90%, é vendida no próprio mercado brasileiro. Ou seja, o problema é majoritariamente local e demanda uma ação firme das autoridades daqui mesmo, e não de outros países, para combater os madeireiros ilegais. Em segundo lugar, foi o próprio governo de Bolsonaro que afrouxou a fiscalização e as exigências burocráticas sobre o comércio de madeira, o que facilitou sobremaneira a exportação irregular. [o presidente Bolsonaro e nenhum brasileiro devem explicações a governos estrangeiros sobre o que é feito dentro do Brasil com a madeira brasileira; quanto à madeira que vai para o exterior, impedir que ela ingresse em seus países é responsabilidade das autoridades do país em que ocorra o indesejado ingresso.

Se um determinado cidadão ou empresa, no Brasil ou em qualquer país do mundo, precisa de um determinado produto o natural é que se dirija a um fornecedor. No percurso constata que um fornecedor do produto desejado está sendo furtado e recebe de um dos ladrões a oferta para comprar o produto e aceita, ele comete um crime.

E não vai adiantar nada que ele argumente em sua defesa que o dono legítimo do produto foi furtado por não cuidar adequadamente de sua guarda e manuseio. Só que na ótica dos inimigos do Brasil - aos maus brasileiros de sempre se junte os presidentes dos países coniventes com os criminosos - se tratando de malhar o presidente Bolsonaro vale tudo.

Quanto ao parágrafo abaixo, perguntamos: será que o Brasil para adequar sua legislação interna tem que ouvir outros países? Eles que façam sua legislação de acordo as conveniências de seus cidadãos e os entendimentos que entendam pertinentes = não cuidaram de suas florestas e agora querem cuidar das do Brasil; querem que o Brasil controle a entrada em solo estrangeiro de mercadorias que eles reputam ilegais. ]

Os países importadores de madeira brasileira não têm como saber se o produto que estão comprando com papelada aparentemente em ordem é ilegal. Nenhuma tábua entra em navio sem documentação oficial do governo brasileiro, emitida pelos órgãos fiscais e ambientais competentes. Em março passado, o governo Bolsonaro eliminou a exigência de autorização específica para a exportação. Desse modo, ficou mais fácil “esquentar” madeira extraída de forma criminosa, sobretudo em reservas ambientais e indígenas. Estima-se que 90% da madeira exportada pelo Brasil possa ser, na prática, ilegal.

Essa é precisamente uma das principais razões pelas quais vários países europeus vêm pressionando o Brasil a melhorar seus controles sobre o desmatamento. Em quase todo o mundo, mas particularmente na Europa, os consumidores cobram de seus governos que só autorizem a compra de produtos de outros países se houver certeza de que sua produção envolveu as melhores práticas ambientais. [o que os consumidores estrangeiros pensam ou deixam de pensar não importa ao Brasil - caso boicotem produtos brasileiros, especialmente os não alimentícios, retaliaremos com restrições na venda de alimentos. Eles que deixem com o governo do Brasil - NAÇÃO SOBERANA - a criação de normas para exportação de produtos brasileiros e cuidem os estrangeiros de sua legislação para importação.No caso da madeira brasileira, em razão da leniência do governo em relação aos madeireiros, a desconfiança é crescente.

Assim, se o interesse de Bolsonaro fosse mesmo melhorar a imagem do Brasil e calar os críticos, o primeiro passo seria acionar a máquina do Estado, que ele comanda, para fazer valer a legislação ambiental brasileira, que é exemplar. Em lugar disso, preferiu, como sempre, transferir a terceiros uma responsabilidade que é majoritariamente de seu governo. E ainda tratou países europeus, importantes clientes da indústria e da agricultura brasileiras, como receptadores de produtos roubados.

Sugerir que países como Alemanha e França são cínicos ao criticar a política ambiental do Brasil enquanto compram madeira ilegal é tão imprudente quanto inútil, razão pela qual a única serventia do discurso improvisado de Bolsonaro no Brics só pode ter sido a de excitar os camisas pardas bolsonaristas nas redes sociais, tristonhos com a surra eleitoral que seu líder levou no domingo passado.

O resultado prático da bravata bolsonarista é que provavelmente as exigências europeias para autorizar a compra de madeira brasileira, que hoje já são bastante duras, ficarão muito mais rigorosas, reduzindo o mercado para os madeireiros que trabalham dentro da lei e que têm nas exportações seu principal ganho em valor agregado. Atabalhoado como sempre, o presidente colocou no mesmo patamar empresários corretos e desmatadores criminosos. Dessa confusão, Bolsonaro espera extrair dividendos políticos – e o faz, como sempre, à custa do País.[fechando: medidas duras geram medidas duras; o princípio de a cada ação corresponde uma reação não se limita a manter os aviões a jato no ar - tem outras utilidades, entre elas a de amolecer governos estrangeiros que se intrometem nos assuntos de outros países.]

Opinião - O Estado de S. Paulo

 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O Conselho da Amazônia - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Investidores estrangeiros não estão interessados no meio ambiente, só na Região Amazônica

A Amazônia não é uma questão regional, mas nela se joga a soberania do País. Os olhos de outros Estados estão para lá voltados. Nada aí é inocente. Engana-se quem pensa somente na questão ambiental. Os europeus, em particular, acham que o destino de seus próprios países se decide ali. Tudo o que acontece nesse bioma não tem significação exclusivamente local, ganha dimensão internacional. Goste-se ou não, queira-se ou não, a Amazônia é uma caixa de ressonância planetária. Eis a realidade incontornável.
 
[EXATAMENTE, EXATO;
o Meio Ambiente não tem o menor valor, não gera nenhuma preocupação.
O que eles querem é a Amazônia e para tanto contam com o apoio dos indígenas, de maus brasileiros que, por ganância ou estupidez, estão a serviço das potências estrangeiras.
Aquele francês, o Macron, quando falou em internacionalizar a Amazônia jogou um balão de ensaio buscando saber a reação do Brasil sobre abrigar uma colônia mundial.
Buscou também defender os interesses dos  agricultores franceses que não tem condições de concorrer, de forma limpa, com o agronegócio brasileiro.]

Uma queimada na Amazônia tem uma significação; na Austrália, outra. Esse país literalmente arde em chamas em várias de suas regiões, porém não se ouve nenhuma grande manifestação mundial ambiental acusando o governo australiano de irresponsabilidade. [o mesmo raciocínio é válido para os incêndios na Califórnia - nem uma linha é escrita chamando o governo americano de irresponsável com o meio ambiente.] Uma queimada na Amazônia é imediatamente vista como descaso governamental, ação do agronegócio, e assim por diante. Tudo se torna, de uma maneira ou de outra, irresponsabilidade ou “crime”. Não que queimadas não devam ser rigorosamente monitoradas e combatidas, mas o problema consiste no modo midiático de sua repercussão.

Talvez não haja nenhuma outra região do mundo que tenha tantas ONGS por quilômetro quadrado. É uma verdadeira poluição midiática, sem organismo ambiental que a combata! Umas fazem bem o seu trabalho de preservação ambiental, outras estão a serviço de outros países, que veem o Brasil como concorrente no agronegócio. Quantos mais entraves aqui, melhor para eles. As interconexões são bem articuladas, tendo ganho um slogan bem conhecido, “florestas lá (no Brasil), fazendas aqui (nos EUA)”, [“Forests there, farms here”]  fórmula há alguns anos utilizada pela Confederação Americana de Fazendeiros. Sejam as ONGs do “bem”, sejam do “mal”, todas atuam nessa região conforme seus próprios canais midiáticos e digitais nas redes sociais. O barulho é ensurdecedor e o País não sabe agir nem reagir adequadamente.

Eis por que a política de enfrentamento não tem chance de ser bem-sucedida. Valem aqui argumentos, negociações e políticas públicas de assistência à região. De nada adianta acusar, pois o contragolpe será forte e contará, ademais, com o apoio de grande parte da opinião pública nacional e internacional. O País tem muito que mostrar, mas comunica-se mal e sua imagem é socialmente ruim. Por exemplo, o Brasil tem o instituto da reserva legal, que obriga, por exemplo, um produtor da Amazônia a conservar ambientalmente 80% de sua propriedade. Acima desse porcentual hoje está preservado com vegetação nativa nessa imensa área. Outro exemplo: 13% do território é constituído de área indígena, para 500 mil indígenas em área rural e outro tanto aproximadamente em zona urbana, segundo o IBGE.

Uma coisa é a realidade e outra, sua percepção e transmissão. Muito também pode ser feito na regularização fundiária, na titulação dos assentamentos, no desenvolvimento econômico e social da região, que, muito bem apontado pelo ministro Paulo Guedes em Davos, enfrenta problemas graves de pobreza, que devem ser contemplados. A assistência técnica é central. Combinar sustentabilidade, agricultura e pecuária é imperativo. O desmatamento ilegal deve ser rapidamente combatido, e assim por diante.

Se o Brasil mantiver simplesmente o status quo, terá graves prejuízos, dentre os quais o mais imediato poderá ser a exigência de um selo ambiental dos produtos exportados da Amazônia ou de empresas que lá atuam. Seria uma barreira não tarifária que traria grandes prejuízos para o agronegócio. Exigências ambientais fazem cada vez mais parte do comércio internacional, tendência que tende a crescer. Na verdade, investidores internacionais não estão interessados no meio ambiente em geral, mas particularmente na Amazônia. Eis o nó da questão. Não querem saber da agricultura e da pecuária no Sul ou no Sudeste, tampouco das cidades, que são as maiores poluiodoras, com esgotos a céu aberto e dejetos lançados nos rios. Nem a poluição dos automóveis é levada em consideração. O único ponto importante é a Amazônia. Eis por que a iniciativa de criação do conselho é da maior importância, o governo apresentando manifestamente um déficit nessa área.

O presidente Jair Bolsonaro em boa hora criou o Conselho da Amazônia, sob a coordenação do vice-presidente Hamilton Mourão. Seu objetivo consiste em enfrentar essa grave questão mediante o agrupamento e a operacionalização de vários órgãos estatais e ministérios, como os da Agricultura, do Meio Ambiente, da Defesa, Infraestrutura, Minas e Energia. A importância da iniciativa já surge dessa própria organização, uma vez que o trabalho foi confiado ao vice-presidente, a segunda maior autoridade da República, aí com funções propriamente executivas. Ademais, o vice-presidente é pessoa afeita ao diálogo, sabe se comunicar e não funciona politicamente a partir da distinção amigo/inimigo. Cabe esperar, agora, que essa coordenação se torne efetiva e não seja boicotada por rivalidades ministeriais menores. O apoio presidencial será decisivo.

Denis Lerrer Rosenfield, professor - O Estado de S.Paulo.
 

sábado, 28 de setembro de 2019

Mundo das coisas - J R Guzzo

Publicado na edição impressa de VEJA

O Brasil tem floresta até demais, mas a sua capacidade de cuidar dela é miserável. Eis aí o desastre real. Não há por que inventar desastres que não existem

Há uma porção de opções ao seu dispor para tomar uma posição sobre a questão da Amazônia e da sua floresta. Numa ponta, há um mundo de gente convicta de que a Amazônia está sendo destruída pelo fogo neste exato momento e de que essa calamidade, entre outras coisas, vai impedir daqui a pouco a população mundial de respirar. A solução sugerida, nessa confederação de ideias, fantasias e interesses que anuncia a breve transformação em deserto dos 4 milhões de quilômetros quadrados hoje cobertos pela mata amazônica no Brasil, é alguma modalidade até agora não esclarecida de “intervenção internacional” — afinal, dizem, a Amazônia é uma propriedade comum “da humanidade”. Como? Via ONU ou via outra força qualquer que também ainda não está definida com clareza. Na ponta oposta, há o bloco dos que classificam todos os alertas sobre os riscos ambientais existentes na região de conspiração, estrangeira e interna, contra o Brasil, com propósitos políticos, econômicos e ideológicos. Entre as duas, há cinquenta tons de cinza.

Vai aqui uma sugestão: que tal, em vez de indignar-se automaticamente de um lado ou de outro, ir ver o que está realmente acontecendo? Não é assim tão complicado. Basta tomar nota de quais são exatamente os fatos, primeiro — e só dar a sua opinião depois. A Amazônia, afinal de contas, é uma realidade com existência física; não é uma causa. Faz parte do mundo das coisas, e não do mundo das ideias, e tudo o que acontece dentro de seus limites pode ser atestado pela verificação objetiva dos fatos. A região amazônica pode ser definida pelo seu bioma — ou seja, por um espaço geográfico que tem características específicas, estabelecidas de acordo com critérios científicos, e não por crenças, desejos ou atos administrativos. Todos, naturalmente, têm direito às próprias opiniões — mas não aos próprios fatos, como dizia um antigo sábio político americano. Eles são o que são. Parece sensato, assim, tentar entender o problema a partir da razão. Ou há alguma ideia melhor?

A razão mostra, com base na constatação material dos fatos, que o Brasil é o país que mais conserva as suas florestas, mesmo porque não há mais florestas na maioria dos países — e o que sobrou são desertos verdes cobertos quase totalmente pelo mesmo tipo de vegetação, com baixíssima diversidade e reduzido interesse para o equilíbrio ambiental. É preciso, já de saída, fazer a diferença entre o bioma amazônico e uma coisa chamada Amazônia Legal. O “Bioma Amazônia” é a Amazônia de verdade, onde existe floresta de verdade. Tem 4,2 milhões de quilômetros quadrados e representa, muito simplesmente, a metade do território do Brasil. A “Amazônia Legal”, com 1 milhão de quilômetros quadrados a mais, é apenas uma ficção burocrática, nascida de manobras tributárias — e engloba um espaço geográfico muito maior que o da mata verdadeira para permitir que as áreas ali localizadas ganhem vantagens no pagamento de impostos.

Nas contas que correm o mundo, essa Amazônia de papel, com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados e onde entra até o Pantanal, é a que vale. Obviamente, a “devastação” anotada ali é muito maior do que na floresta verdadeira. Como poderia ser diferente se os cálculos de “desmatamento” incluem regiões já cultivadas e utilizadas pela pecuária há mais de cinquenta anos? O que interessa mesmo, em termos de mata com árvore, galho e folha, é o Bioma Amazônia. Já estão preservados por lei 65% de toda a área ocupada por ele — não se pode mexer mais ali, nunca mais, mesmo porque boa parte disso são terras indígenas, parques nacionais, espaços do Exército. Esse mundo de floresta pode até crescer; diminuir não dá mais. A verdade, em suma, é que a vegetação nativa na Amazônia ocupa mais de 350 milhões de hectares — uma área em que caberiam dezessete países da Europa, do extremo norte da Suécia ao extremo sul da Itália, de Portugal à Polônia.

O verdadeiro problema, na verdade, é o exato contrário da visão vendida mundo afora. O Brasil tem floresta até demais — mas a sua capacidade de cuidar dela, e cumprir as leis que a protegem, é francamente miserável. O Estado não tem nem aviões-­bombeiros para apagar incêndios. Não consegue dar documentação aos mais de 500 000 pequenos proprietários de terras que vivem ali. Não é capaz de evitar o desmatamento ilegal. Não atende às necessidades sanitárias básicas de seus 25 milhões de habitantes. Eis aí o desastre real. Não há nenhuma necessidade de inventar desastres que não existem.

Blog Fatos - J R Guzzo - Veja