Anvisa liberou testagem em farmácias, mas especialistas alertam que eles são pouco precisos
Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, em fins de
fevereiro, o país enfrenta problemas para testar as pessoas, como
preconiza a OMS. Em 24 de março, quando o Ministério da Saúde
contabilizava cerca de 2.200 casos e 46 mortes por Covid-19, o então
ministro Luiz Henrique Mandetta prometeu 22,9 milhões de testes. Entre a
intenção e a realidade, havia um fosso aberto por uma demanda
planetária e uma oferta limitada, concentrada principalmente na China. O
novo ministro, Nelson Teich, agora fala em 46 milhões de testes. Mas
eles ainda são artigo raro nas unidades de saúde de todo o país.
Sem a testagem necessária e com queda nos índices de isolamento, a
epidemia acelera — já são 85.380 casos e 5.901 mortes — e não se sabe
exatamente o tamanho do problema. Devido à subnotificação, o panorama é
nebuloso. Segundo o portal Covid-19 Brasil, que reúne pesquisadores de
várias universidades brasileiras, o número de infectados já estaria na
casa de 1,2 milhão. Ou seja, 16 vezes mais que o oficial, que considera
basicamente os casos graves da doença. Mesmo nos registros de mortos há
subnotificação. Os óbitos causados por síndromes respiratórias este ano
estão acima da média, o que indica que podem estar contaminados por
casos de Covid não identificados.
Na terça-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou a realização provisória de testes rápidos para Covid-19 em
farmácias e drogarias — eles terão de ser feitos no próprio local por
profissionais capacitados. O diretor-presidente do órgão, Antonio Barra
Torres, argumentou que a liberação será uma estratégia útil na
diminuição da aglomeração em hospitais e na procura por serviço médico
na rede pública.
No entanto, a medida pouco altera o grave cenário da epidemia no país,
podendo confundir ainda mais. Segundo especialistas, esses testes
rápidos são pouco precisos e, muitas vezes, atestam falsos negativos. Ou
seja, a pessoa tem o vírus, mas ele não é detectado. Isso poderia levar
a uma situação de relaxamento da quarentena, agravando o problema de
saúde pública. Na verdade, eles são uma boa ferramenta para estudar o
avanço da doença, como, aliás, o próprio Ministério da Saúde já vem
fazendo. Portanto, a população deve ter cautela com esses testes. O
balcão da farmácia, ainda que mais acessível, não substitui UPAs ou
hospitais.
Ministério da Saúde, estados e prefeituras devem seguir a recomendação
da OMS para conter a pandemia: isolamento e testagem em massa. Foi essa
receita que usaram os países que conseguiram frear a disseminação da
doença. Vários estados do país já vivem situação de emergência. Ela se
torna pior quando se trabalha com números irreais.
Editorial - Jornal O Globo