Hoje, nenhum ato do Supremo Tribunal Federal está sujeito à apreciação de ninguém [nem os do Kim Jong-un.]
Todo mundo finge que está tudo bem, e que as coisas são assim mesmo. Mas não está tudo bem, e as coisas não são assim mesmo. Não pode estar tudo bem, de jeito nenhum, quando um ministro do Supremo Tribunal Federal conduz há três anos um inquérito criminal para investigar “atos antidemocráticos” que a lei, muito simplesmente, o proíbe de conduzir – só o Ministério Público, segundo a Constituição Federal, está legalmente autorizado a fazer investigações deste tipo.
Ninguém mais – o diretor da Receita Federal, por exemplo, não pode, nem o comandante dos fuzileiros navais, nem mesmo um juiz de Direito ou um desembargador.
Mas o ministro Alexandre de Moraes está fazendo exatamente isso.
Temos aí uma aberração inédita. O magistrado se transformou em parte do processo – e deixou de ser, como manda a lei, um julgador neutro, que ouve acusação e defesa e julga quem dos dois tem razão. Não existe isso em nenhuma democracia do mundo.
A partir deste vício sem solução, tudo o que sai do inquérito de Moraes é 100% ilegal. Os advogados não têm direito a ler o que está no processo. Nenhuma solicitação do MP é atendida – nem mesmo seus pedidos de encerramento da investigação, pela pura e simples inexistência de provas contra os investigados. O inquérito é perpétuo.
Só quem tem foro privilegiado pode ser julgado no STF – mas a lei está sendo violada e cidadãos comuns são arrastados para lá.
Moraes já prendeu por nove meses, e depois condenou a quase nove anos de prisão, um deputado federal em exercício do seu mandado – sem que ele tivesse sido preso em flagrante por cometer crime inafiançável, única hipótese legal para se punir um parlamentar brasileiro.
Acaba de mandar a Polícia Federal invadir casas e escritórios de empresários que conversavam de política num grupo privado de WhatsApp. Chamou a isso, um grupo que conversa no celular, de “organização”. Falou em “alta periculosidade”.
Nada pode ser normal quando o TSE, sob o comando do mesmo ministro, cria uma polícia secreta para reprimir “ameaças à normalidade das eleições” – justo o TSE, que é hoje o principal causador de perturbação e de desordem no processo eleitoral.
Nada é normal quando o STF funciona como um escritório de despachantes a serviço de senadores “de esquerda” – são eles que determinam, como no caso dos “empresários golpistas”, as medidas a serem tomadas.
É tudo uma deformidade de circo – como o bezerro de duas cabeças, o gato que fuma ou Monga, a mulher-gorila.
Nos tempos do AI-5, nenhum ato do governo militar estava sujeito à apreciação da Justiça.
Hoje, nenhum ato do STF está sujeito à apreciação de ninguém.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo