Merval Pereira: Decisão do STF sobre Lula abre precedente perigoso
Retirada de partes da delação da Odebrecht da jurisdição de Moro pode levar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4
[com a devida vênia ao ilustre articulista, nos parece improvável que a Justiça tenha o cinismo de considerar o tal 'embargo dos embargos', recurso meramente protelatório - condição que salta aos olhos até dos petistas - como motivo para considerar ilegal a decretação da prisão antes dos tais embargos serem julgados;
da mesma forma, se a alegação da defesa de Lula que o triplex não estava ligado diretamente à corrupção da Petrobras, não foi acolhida por Moro, caberia aos defensores do hoje condenado recorrerem a instância superiora contestando a decisão; ao aceitarem o não acolhimento, só agora meses após é que pretendem combater a decisão do juiz federal singular, decidir dando razão aos advogados do sentenciado será mais cinismo do que o atribuído aos que valorizam o citado 'embargo dos embargos'.
Uma Justiça digna e não cínica jamais poderá acatar e/ou dar razão ao pretendido pelos defensores do octaréu Lula da Silva.]
Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do tríplex do Guarujá. Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4. Os advogados de Lula alegavam que, ao afirmar que o tríplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, o juiz Sergio Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público. A explicação do juiz Moro na ocasião foi de que havia sido reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-presidente.
Para o juiz, não há nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas. Dinheiro é fungível, isto é, pode ser trocado por outros valores iguais. O próprio Sergio Moro escreveu em uma de suas sentenças: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente”.
Para Moro, não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido contrato da Petrobras. No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a estatal, mas tinha como objetivo ganhar concorrências na empresa.
Dinheiro não é carimbado com sua origem, mas havia conta-corrente de propina que era abastecida com dinheiro proveniente de corrupção na Petrobras. O detalhe tragicômico é que a decisão do Supremo foi tomada no quarto agravo regimental de petição, com base em embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.
Outro agravo que a Segunda Turma vai ainda examinar foi encaminhado pelo ministro Edson Fachin, que diz que ele perdeu seu objetivo porque os embargos dos embargos já foram julgados inconsistentes pelo TRF-4. A reclamação da defesa é de que a ordem de prisão de Lula foi dada antes que todos os embargos fossem analisados. Os embargos dos embargos, pelo próprio nome, é uma aberração, uma ação protelatória. A prisão foi decretada porque os embargos dos embargos não têm a menor possibilidade de mudar a condenação. São essas distorções do nosso Sistema Jurídico que levam à impunidade.
Em uma disputa em Goiás, Carlos Alberto Sardenberg mostrou na CBN ontem que houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido “embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração”.
Merval Pereira - O Globo