O Estado de S.Paulo
Quanto mais popular, pior para o ministro. E troca da PF é salvar amigos e perseguir inimigos?
Uma sensação cresce a cada dia, a cada semana: o governo Jair Bolsonaro está fazendo água por todos os lados, depois que o presidente escancarou suas fragilidades, tomou atitudes despropositadas na pandemia, passou a prestigiar atos ostensivamente golpistas e, não satisfeito, partiu para o ataque contra as estrelas do próprio governo, uma por uma. Isso é hora de espicaçar o ministro Sérgio Moro?
[Ministros são nomeados e empossados para coordenarem, sob coordenação do Presidente da República, áreas específicas do governo e que são vinculadas à pasta específica;
popularidade é ótimo quando exercida em campanha eleitoral.
Mandetta fazia um comício diário - reduziu o exercício de sua vocação de palanqueiro quando foi contido pelo ministro-chefe da Casa Civil - e esqueceu do combate à pandemia, não do embate político e sim do combate técnico.]
Quanto mais popular, pior para o ministro. Luiz Henrique Mandetta caiu
da Saúde, Moro cansou de ser desautorizado, Paulo Guedes está sendo
atropelado depois que a pandemia trouxe para a arena a velha guerra
entre “liberais” e “desenvolvimentistas”. Outra que começa a periclitar é
Tereza Cristina, da Agricultura, que apanha de bolsonaristas na
internet e está cansada dos desaforos de Ernesto Araújo, Abraham
Weintraub e Eduardo Bolsonaro contra a China – fundamental para sua
pasta e para o País. Ernesto Araújo, Weintraub e Eduardo Bolsonaro são os ideológicos cheios
de prestígio no Planalto. Moro, Guedes e Tereza Cristina, como Mandetta,
estão em outra categoria: não assumiram cargos no governo para seguir
Olavo de Carvalho e guerrear contra uma suposta escalada comunista
interplanetária. Entraram para trabalhar por suas áreas, para pôr em
prática o que sonham (certo ou errado) que é melhor para o País. Pois é.
Não basta.
Nessa gangorra, caem Mandetta, Moro e Guedes, sobem Roberto Jefferson,
Valdemar Costa Neto e Arthur Lira, líderes do Centrão que prometem
qualquer coisa para ter seus carguinhos e favores, inclusive perseguir o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia. As portas do Planalto se escancaram
para eles e se fecham para a Lava Jato, abandonada sucessivamente desde
a campanha de 2018. Moro chegou ao governo como troféu, mas tem um problema de origem: a
popularidade. Como ele tem a audácia de ser mais popular e querido do
que o “mito”? E tome de engolir sapos! Ele passou a estabelecer limites
quando apoiou Mandetta na defesa do isolamento social para conter o
coronavírus, mas o principal foi se recusar, primeiro, a demitir o
diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, em 2019, e agora a
aceitar o apadrinhado por Eduardo Bolsonaro para a PF.
No olho do furacão está o Rio de Janeiro, onde Jair Bolsonaro e a
família fazem política. Não faltam operações e investigações da PF no
Estado, inclusive nas bases eleitorais do clã presidencial. Daí eles não
descansarem enquanto não puserem alguém “de confiança” na PF em
Brasília e no Rio. É estranho, inclusive, que o presidente tenha derrubado com uma canetada
três portarias que atribuíam ao Exército o controle e o monitoramento
de armas de civis. Ao estilo “quem manda sou eu”, o presidente alegou,
pela internet, que elas eram contrárias a um decreto de sua lavra. [se as portarias contrariavam um decreto em plena vigência, padecem do vício da ilegalidade desde o momento em que foram expedidas;
Considerando a hierarquia das leis e normas e dando crédito à notícia deste parágrafo, tem tudo para prosperar a dedução de que o próprio EB tenha proposto a revogação das portarias.
Um decreto quando legalmente expedido revoga todas as normas inferiores existentes e impede a edição de futuras que o contrariem.]
A surpresa com a decisão de Bolsonaro extrapolou as fronteiras do QG do
Exército e chegou à PF, que também considerava as portarias importantes
no combate a milícias e ao crime organizado. Aliás, o estoque de munição
para civis passou de 50 para 200 por arma em janeiro e na quinta-feira,
23, em portaria da Defesa e da Justiça, pulou para 550 por mês. Quem
tem arma vai ter muito, mas muito mais, munição. Inclusive milicianos.
Bolsonaro conseguiu escantear e mudar o nome do Coaf, mas no caminho
entre ele, Moro e PF, persistem investigações que resvalam nos filhos do
presidente: sobre Fabrício Queiroz, atos golpistas e fake news e podem
chegar ao “gabinete do ódio”, que, do Planalto, tritura ou pinica
reputações de adversários e críticos de Bolsonaro. Foi assim com
Mandetta, é com Tereza Cristina e piora a cada dia contra João Doria,
Wilson Witzel e, principalmente, Rodrigo Maia. Será que troca da PF é
para isso, salvar amigos e perseguir inimigos?
[desde antes da posse do presidente Bolsonaro que Fabrício Queiroz é sistematicamente acusado de várias irregularidade - tem para todo gosto: envolvimento com milicias, com prevaricação e outras;
se pergunta: como alguém, não tão importante, não dispondo de nenhuma autoridade que o blinde, consegue sobreviver por mais de um ano sendo acusado e nenhuma denúncia contra ele é apresentada?]
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo