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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Fazendo água - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Quanto mais popular, pior para o ministro. E troca da PF é salvar amigos e perseguir inimigos?

Uma sensação cresce a cada dia, a cada semana: o governo Jair Bolsonaro está fazendo água por todos os lados, depois que o presidente escancarou suas fragilidades, tomou atitudes despropositadas na pandemia, passou a prestigiar atos ostensivamente golpistas e, não satisfeito, partiu para o ataque contra as estrelas do próprio governo, uma por uma. Isso é hora de espicaçar o ministro Sérgio Moro?

[Ministros são nomeados e empossados para coordenarem, sob coordenação do Presidente da República, áreas específicas do governo e que são vinculadas à pasta específica;
popularidade é ótimo quando exercida em campanha eleitoral.
Mandetta fazia um  comício diário - reduziu o exercício de sua vocação de palanqueiro quando foi contido pelo ministro-chefe da Casa Civil - e esqueceu do combate à pandemia, não do embate político e sim do combate técnico.]

Quanto mais popular, pior para o ministro. Luiz Henrique Mandetta caiu da Saúde, Moro cansou de ser desautorizado, Paulo Guedes está sendo atropelado depois que a pandemia trouxe para a arena a velha guerra entre “liberais” e “desenvolvimentistas”. Outra que começa a periclitar é Tereza Cristina, da Agricultura, que apanha de bolsonaristas na internet e está cansada dos desaforos de Ernesto Araújo, Abraham Weintraub e Eduardo Bolsonaro contra a China – fundamental para sua pasta e para o País. Ernesto Araújo, Weintraub e Eduardo Bolsonaro são os ideológicos cheios de prestígio no Planalto. Moro, Guedes e Tereza Cristina, como Mandetta, estão em outra categoria: não assumiram cargos no governo para seguir Olavo de Carvalho e guerrear contra uma suposta escalada comunista interplanetária. Entraram para trabalhar por suas áreas, para pôr em prática o que sonham (certo ou errado) que é melhor para o País. Pois é. Não basta.

Nessa gangorra, caem Mandetta, Moro e Guedes, sobem Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto e Arthur Lira, líderes do Centrão que prometem qualquer coisa para ter seus carguinhos e favores, inclusive perseguir o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. As portas do Planalto se escancaram para eles e se fecham para a Lava Jato, abandonada sucessivamente desde a campanha de 2018.  Moro chegou ao governo como troféu, mas tem um problema de origem: a popularidade. Como ele tem a audácia de ser mais popular e querido do que o “mito”? E tome de engolir sapos! Ele passou a estabelecer limites quando apoiou Mandetta na defesa do isolamento social para conter o coronavírus, mas o principal foi se recusar, primeiro, a demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, em 2019, e agora a aceitar o apadrinhado por Eduardo Bolsonaro para a PF.


No olho do furacão está o Rio de Janeiro, onde Jair Bolsonaro e a família fazem política. Não faltam operações e investigações da PF no Estado, inclusive nas bases eleitorais do clã presidencial. Daí eles não descansarem enquanto não puserem alguém “de confiança” na PF em Brasília e no Rio.  É estranho, inclusive, que o presidente tenha derrubado com uma canetada três portarias que atribuíam ao Exército o controle e o monitoramento de armas de civis. Ao estilo “quem manda sou eu”, o presidente alegou, pela internet, que elas eram contrárias a um decreto de sua lavra. [se as portarias contrariavam um decreto em plena vigência, padecem do vício da ilegalidade desde o momento em que foram expedidas;
Considerando a hierarquia das leis e normas e dando crédito à notícia deste parágrafo, tem tudo para prosperar a dedução de que o próprio EB tenha proposto a revogação das portarias.
Um decreto quando legalmente expedido revoga todas as normas inferiores existentes e impede a edição de futuras que o contrariem.] 

A surpresa com a decisão de Bolsonaro extrapolou as fronteiras do QG do Exército e chegou à PF, que também considerava as portarias importantes no combate a milícias e ao crime organizado. Aliás, o estoque de munição para civis passou de 50 para 200 por arma em janeiro e na quinta-feira, 23, em portaria da Defesa e da Justiça, pulou para 550 por mês. Quem tem arma vai ter muito, mas muito mais, munição. Inclusive milicianos.


Bolsonaro conseguiu escantear e mudar o nome do Coaf, mas no caminho entre ele, Moro e PF, persistem investigações que resvalam nos filhos do presidente: sobre Fabrício Queiroz, atos golpistas e fake news e podem chegar ao “gabinete do ódio”, que, do Planalto, tritura ou pinica reputações de adversários e críticos de Bolsonaro. Foi assim com Mandetta, é com Tereza Cristina e piora a cada dia contra João Doria, Wilson Witzel e, principalmente, Rodrigo Maia. Será que troca da PF é para isso, salvar amigos e perseguir inimigos?

[desde antes da posse do presidente Bolsonaro que Fabrício Queiroz é sistematicamente acusado de várias  irregularidade - tem para todo gosto: envolvimento com milicias, com prevaricação e outras;
se pergunta: como alguém, não tão importante, não dispondo de nenhuma autoridade que o blinde, consegue sobreviver por mais de um ano sendo acusado e nenhuma denúncia contra ele é apresentada?]

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo



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