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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Ora, a lei

Ficha suja condenado pode ser candidato a presidente

Prefeito pode furar sinal vermelho, juiz pode ganhar mais que o teto, ficha suja condenado pode ser candidato a presidente

[a lei proibir é apenas um detalhe insignificante para a gang lulopetista e a maldita esquerda.] 

Um amigo meu, professor da Universidade de Miami, cientista reconhecido, foi parado pelo guarda. Excesso de velocidade.  Tentou se explicar: "Sim, estou apressado, mas o senhor compreenda, estou atrasado para uma aula na universidade..." Nem terminou a frase. 
"Atrasado, professor? Não tem problema, vou aplicar a multa bem rapidinho", disse o policial, enquanto teclava no celular. "Pronto, pode ir, e cuidado, há outros pontos de fiscalização"
 
No Rio, um dos carros utilizados pelo prefeito Crivella teve 55 multas no ano passado, das quais 38 por excesso de velocidade, 7 por passar no sinal vermelho e cinco por circular na faixa exclusiva de ônibus. Ficou por isso mesmo. As multas foram canceladas porque, tal é a alegação, autoridades têm o direito de não respeitar as leis de trânsito. Ou, dito pelo avesso, furar sinal vermelho é legal para o prefeito. Ou ainda: o motorista de um carro oficial pode, legalmente, colocar em risco a vida de outros motoristas e pedestres.
 
E por que o prefeito teria esse direito? Digo o prefeito porque certamente a culpa não é do motorista. Algum superior manda: desça o pé porque Sua Excelência está atrasada. Alguém poderia dizer: o motorista pode recusar uma ordem ilegal ou cuja execução possa causar danos a terceiros. Mas não funciona assim, conforme todos sabemos. Pode parecer um caso pequeno, mas basta dar uma olhada no noticiário para se encontrar uma sequência de histórias com o mesmo enredo: a lei não vale para autoridades nem para as elites políticas.
 
Por exemplo: nenhum funcionário pode ganhar mais que o juiz do Supremo Tribunal Federal. Logo, vencimentos superiores a esse teto são ilegais, certo?  Errado: assim como criaram exceções para legalizar o excesso de velocidade, o "sistema" inventou verbas indenizatórias que tornam legal o excesso de vencimentos. Caso do auxílio-moradia, pago mesmo a funcionários que têm casa própria e cujo cônjuge também recebe a mesma a vantagem. Lula foi condenado em segunda instância,por unanimidade, e tornou-se ficha suja, inelegível, portanto. O ex-presidente luta de todas as maneiras para escapar da cadeia e ser candidato - uma prerrogativa do réu. Mas reparem os argumentos apresentados pela sua defesa e por diversos outros chefes políticos: sendo Lula um líder popular, pré-candidato e primeirão nas pesquisas, as condenações não deveriam ser aplicadas. Quer dizer, a lei não deveria ser aplicada.
 
Já são três casos: o prefeito pode furar sinal vermelho, o juiz pode ganhar mais que o teto, um ficha sujo condenado pode ser candidato. O prefeito é responsável pelo respeito às leis do trânsito; o juiz é responsável pela aplicação da lei em geral, inclusive da que trata de remunerações do funcionalismo; e o presidente é responsável pela ordem legal republicana.Todos legalizando o ilegal. E desmoralizando a política.Tem mais. 
 
Em defesa da deputada Cristiane Brasil, governistas e aliados dizem que não há qualquer problema em ter um ministro do Trabalho envolvido com ... questões trabalhistas. Mais ou menos como se o chefe da Receita Federal estivesse enrolado com  a Receita. Há centenas de parlamentares processados por crimes comuns, muitos já réus em mais de uma ação, e que continuam legislando, não raro em causa própria. A lei penal não vale para eles.
 
A Caixa Econômica Federal está em óbvia situação difícil, consequência de uma combinação de má gestão e corrupção. Três vice-presidentes acabam de ser afastados e não se pode esquecer que Geddel Vieira Lima, hoje preso, foi justamente vice-presidente da Caixa. Por isso, sem dinheiro, a Caixa está restringindo a concessão de empréstimos, inclusive para governos estaduais. Bronca geral dos parlamentares da base. Ameaçam não votar a reforma da Previdência ou qualquer outra coisa. Ocorre que se a Caixa fizer tais empréstimos aos Estados, sem aval da União, estará cometendo uma ilegalidade. E se o Ministério da Fazenda der o aval, seria outra ilegalidade. Pois o pessoal não vê aí qualquer obstáculo. É só aprovar alguma regra legalizando essa ilegalidade, um assalto à Caixa - e assim se vai, quebrando uma estatal atrás da outra.
 
Eis porque a Lava-Jato causa alvoroço. A operação está dizendo que roubar é crime e que os ladrões vão para a cadeia. Dizendo só, não, está aplicando a regra segundo a qual a lei vale para todos. Simples, assim. É um assombro.
 
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista