Após
a prisão, João Santana admite caixa dois de campanha. “Só não sabia que era dinheiro sujo”
O
publicitário João Santana queria proteger Dilma Rousseff. Compreensível.
Afinal, sua cliente já tinha pago US$
4,5 milhões por fora a ele, o mago das campanhas
enganosas do PT. Seu roteiro na TV havia pintado o Brasil de rosa,
azul e o escambau. “Eu que ajudei, de
certa forma, a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a presidente”,
disse enfim João Santana em depoimento ao juiz Sergio Moro.
Por que sua delação a destruiria? Porque
apenas começava o processo de impeachment quando o publicitário e sua mulher,
Mônica Moura, foram detidos. E
porque esses milhões de dólares não eram apenas caixa dois. Tinham sido
pagos por um lobista, em conta não declarada na Suíça, e sua origem era
criminosa. Os milhões de dólares vinham de propinas em contratos da Petrobras.
Segundo a
Lava Jato, esse pagamento à propaganda política
de Dilma foi desviado de um contrato fechado por um estaleiro para construir
uma plataforma. Nem vou listar aqui todos os coadjuvantes porque ninguém
mais consegue acompanhar o novelo de nomes e números, dignos de uma saga de
Gabriel García Márquez. O que importa é: o mago caiu, a mulher do mago também, e ambos mentiram para
proteger Dilma e a própria pele. Agora,
caíram na real e tentam passar a imagem de bonzinhos e leais. Antes
de mentir para proteger Dilma, João Santana usou seu talento de
publicitário para pintar a presidente como alguém que ela nunca foi, pintar a
realidade brasileira de cores que escondessem a cor de burro quando foge e,
assim, mentir ao eleitorado. Publicidade sem compromisso com a realidade
deveria ser crime. Mas é, não é? Na televisão, o país editado por efeitos
especiais é escandaloso. Num Brasil que lê pouco, por falta de instrução e de hábito, e onde o voto é
compulsório, a tal propaganda política
“gratuita” deveria ser sujeita a um crivo rigoroso para ir ao ar.
Não se trata de uma caça
macarthista aos publicitários. Os clientes mandam, eles fazem. É só isso? Não. No caso de
políticos, eles recriam os personagens, os cenários. Eles inventam. Eles
convencem. Eles mostram como manipular o voto. Não consigo achar nada disso ético. E, ainda por
cima, ganham uma fortuna, em dólares, que escondem fora do país. João Santana
se arrepende.
Embora
não tenha admitido conivência com “uma
trapaça”, como perguntou Moro, o publicitário agora se penitencia. Receber
pagamento no caixa dois ou “por fora”
é sim, segundo João Santana após
refletir na prisão, um “constrangimento profundo”, “um risco”, “um ato ilegal”. Um crime,
não é mesmo? Chamando as coisas pelo nome. Só que era difícil para o PT de
Dilma anunciar publicamente quanto estava pagando a seu “construtor de imagem” para vencer a eleição.
No
início, João Santana e a mulher, aquela
mesma que sorriu mascando chiclete ao ser presa, em atitude debochada, combinaram dizer aos investigadores que
esses milhões de dólares eram de campanhas eleitorais feitas no exterior. [quando foi presa Mônica Moura declarou que não iriam conseguir que ela baixasse a cabeça; coitada - não havia sido informada sobre as normas do cárcere e escolheu para desafiar uma das regras básicas em uma prisão: o preso sempre que se dirige ou é interpelado por alguma autoridade (que pode ser um simples agente penitenciário) tem a obrigação de baixar a cabeça e cruzar as mãos para trás. Em uma semana Mõnica aprendeu as duas regras e passou a baixar a cabeça para qualquer autoridade e cruzar as mãos.] Queriam evitar o
que chamaram de “um grave problema”
para Dilma, a honesta como nunca antes na história. Aquela por quem
os militantes cegos botam a mão no fogo, a que não cometeu nenhum crime, a mãe dos deserdados, dos sem-teto, dos
famintos – alguém ainda alardeia
isso por convicção, sem ganhar milhões de patrocínio em troca?
João Santana acha que foi
apanhado como bode expiatório. Denuncia a hipocrisia que crucifica a ele e a
mulher, num país em que, segundo o publicitário, 98% das campanhas políticas no Brasil usam caixa dois. Por que só
o casal está preso por isso? “Eu tinha
consciência de uma prática ilegal. Dinheiro sujo, jamais. Caixa dois não é
necessariamente caso de corrupção”, disse Santana ao juiz Moro. Na hora de
eleição, sem vigilância apropriada, “ou
faz a campanha dessa forma ou não se faz”.
Caixa dois é prática disseminada não só entre políticos, mas em “todas as camadas sociais e dezenas de
profissões que recebem por fora”, disse João Santana. Aí sim. É a pura
verdade. O publicitário bota o dedo numa ferida gigantesca. “A fila poderia ser fotografada de satélite”,
afirmou o ex-mago do PT. “Iria de
Brasília a Manaus.” Em campanhas políticas eleitorais, porém, é difícil o
caixa dois ser imaculado. João Santana não é iniciante nem ingênuo. Deveria
saber desse detalhe ou nem se importar com a origem.
Oficialmente,
o PT pagou R$
170 milhões em campanhas entre 2006 e 2014. Se pagou milhões de dólares por fora, é
porque não podia declarar. Se não
podia declarar, é porque era sujo. O desvio do desvio do desvio. Mas Dilma não
cometeu nenhum crime. Não sabia de nada. Tampouco sabia Lula, aliás líder,
segundo as pesquisas do Datafolha, nas intenções de voto no primeiro turno da eleição
presidencial de 2018. Quem
será o mago do PT nessa disputa? Foram todos presos. Viraram delatores e
traidores.
Fonte: Ruth de Aquino - Época