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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Governo usa desemprego para defender nova CPMF - Valor Econômico

 Editorial

Em um cenário de lenta recuperação econômica e forte desemprego, o governo agora tenta associar a criação de um novo imposto, a Contribuição sobre Pagamentos (CP), à criação de novas vagas de trabalho. A retórica contraria uma das promessas do então candidato Jair Bolsonaro de reduzir a carga tributária. Antes da vitória no primeiro turno, Bolsonaro publicou nas redes sociais: "Ignorem essas notícias mal intencionadas dizendo que pretendemos recriar a CPMF. Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso". Foi uma resposta à revelação de que o então coordenador econômico da campanha, Paulo Guedes, adiantara a um grupo de empresários a intenção de criar um novo imposto, desta vez sobre todos os pagamentos realizados na economia.

Quase um ano depois, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, finaliza um pacote de medidas para acelerar a geração de empregos. Uma delas é a substituição da contribuição patronal de 20% para o INSS sobre a folha de pagamento pela nova CPMF, rebatizada de Contribuição sobre Pagamentos e de incidência bem mais ampla do que o antigo imposto sobre o cheque. Passados 11 meses, o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, não apenas defende publicamente o novo imposto, como o apresenta como gatilho para a abertura de milhares de novos postos de trabalho. "Se a classe política achar que as distorções causadas pelo imposto são piores que os 30 milhões de desempregados sem carteira que tem aí, eles decidem", argumentou na quarta-feira. [um aspecto é fato: se o presidente Bolsonaro permitir a volta da CPMF - seja qual for o nome - o número de desempregados vai aumentar em algumas dezenas, começando por familiares do presidente, i que inclui os filhos que terão que procurar empregos - votos, já era.]

Na entrega do prêmio Valor 1000 na semana passada em São Paulo, Guedes disse que prefere "abraçar um imposto horroroso" ao desemprego. E se a alíquota do novo tributo for pequena, "não machuca". O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, sustenta que o novo imposto "vai gerar um choque de empregos no país". É notório o empenho do governo no avanço das reformas econômicas liberalizantes. Mas também é consenso entre economistas e políticos que nem a reforma da Previdência, que está com o cronograma atrasado no Senado, nem a sanção da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que melhora o ambiente de negócios, vão proporcionar a imediata abertura de vagas. Sabe-se que só a retomada do crescimento econômico será capaz de devolver dinamismo ao mercado de trabalho. E o crescimento só virá pela expansão dos investimentos.

Os números do desemprego são alarmantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 13 milhões de desempregados no Brasil. Na planilha de Guedes, entretanto, o número sobe para 30 milhões, considerando-se os subutilizados (qualificados em subempregos) e os desalentados (que desistiram de procurar emprego). Reportagem do Valor mostrou na última semana que 24,1 milhões de brasileiros estão trabalhando "por conta própria", em atividades que exigem pouca qualificação e geram menor rendimento. Levantamento da consultoria IDados mostrou que 10,1 milhões vivem com menos de um salário mínimo por mês e desses 3,6 milhões vivem com R$ 300 por mês.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado na sexta-feira, mostrou que foram criadas 43.820 vagas formais em julho. Mas o segmento que mais gerou vagas (18.721) foi a construção civil, que exige baixa qualificação. Paulo Guedes investe na retórica do novo imposto como estímulo à geração de novos postos de trabalho e espera, assim, sensibilizar o presidente e a cúpula do Congresso, onde os presidentes das duas Casas e os principais líderes já se manifestaram contra a medida. A um ano das eleições municipais, os parlamentares estão em dívida com o eleitorado por causa das mudanças na aposentadoria. Aumentar impostos pode ser a pá de cal na chance de se eleger prefeito.

Bolsonaro encontra-se em uma encruzilhada. Na primeira tentativa de elevar o IOF, em janeiro, ele voltou atrás diante da péssima repercussão da iniciativa. O mote do "choque de emprego" porém, é sedutor. Desta vez, o presidente pode estar trocando popularidade no curto prazo por recuperação do emprego mais adiante, com o consequente ganho político que essa resposta trará.
 
Editorial - Valor Econômico