Editorial
Em um cenário de lenta recuperação econômica e forte desemprego, o
governo agora tenta associar a criação de um novo imposto, a
Contribuição sobre Pagamentos (CP), à criação de novas vagas de
trabalho. A retórica contraria uma das promessas do então candidato Jair
Bolsonaro de reduzir a carga tributária. Antes da vitória no primeiro turno, Bolsonaro publicou nas redes
sociais: "Ignorem essas notícias mal intencionadas dizendo que
pretendemos recriar a CPMF. Ninguém aguenta mais impostos, temos
consciência disso". Foi uma resposta à revelação de que o então
coordenador econômico da campanha, Paulo Guedes, adiantara a um grupo de
empresários a intenção de criar um novo imposto, desta vez sobre todos
os pagamentos realizados na economia.
Quase um ano depois, o secretário especial de Previdência e Trabalho,
Rogério Marinho, finaliza um pacote de medidas para acelerar a geração
de empregos. Uma delas é a substituição da contribuição patronal de 20%
para o INSS sobre a folha de pagamento pela nova CPMF, rebatizada de
Contribuição sobre Pagamentos e de incidência bem mais ampla do que o
antigo imposto sobre o cheque. Passados 11 meses, o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, não apenas
defende publicamente o novo imposto, como o apresenta como gatilho para
a abertura de milhares de novos postos de trabalho. "Se a classe
política achar que as distorções causadas pelo imposto são piores que os
30 milhões de desempregados sem carteira que tem aí, eles decidem",
argumentou na quarta-feira. [um aspecto é fato: se o presidente Bolsonaro permitir a volta da CPMF - seja qual for o nome - o número de desempregados vai aumentar em algumas dezenas, começando por familiares do presidente, i que inclui os filhos que terão que procurar empregos - votos, já era.]
Na entrega do prêmio Valor 1000 na semana passada em São Paulo, Guedes
disse que prefere "abraçar um imposto horroroso" ao desemprego. E se a
alíquota do novo tributo for pequena, "não machuca". O secretário da
Receita Federal, Marcos Cintra, sustenta que o novo imposto "vai gerar
um choque de empregos no país". É notório o empenho do governo no avanço das reformas econômicas
liberalizantes. Mas também é consenso entre economistas e políticos que
nem a reforma da Previdência, que está com o cronograma atrasado no
Senado, nem a sanção da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que
melhora o ambiente de negócios, vão proporcionar a imediata abertura de
vagas. Sabe-se que só a retomada do crescimento econômico será capaz de
devolver dinamismo ao mercado de trabalho. E o crescimento só virá pela
expansão dos investimentos.
Os números do desemprego são alarmantes. Segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), havia 13 milhões de desempregados no
Brasil. Na planilha de Guedes, entretanto, o número sobe para 30
milhões, considerando-se os subutilizados (qualificados em subempregos) e
os desalentados (que desistiram de procurar emprego). Reportagem do Valor mostrou na última semana que 24,1 milhões de
brasileiros estão trabalhando "por conta própria", em atividades que
exigem pouca qualificação e geram menor rendimento. Levantamento da
consultoria IDados mostrou que 10,1 milhões vivem com menos de um
salário mínimo por mês e desses 3,6 milhões vivem com R$ 300 por mês.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado na
sexta-feira, mostrou que foram criadas 43.820 vagas formais em julho.
Mas o segmento que mais gerou vagas (18.721) foi a construção civil, que
exige baixa qualificação. Paulo Guedes investe na retórica do novo imposto como estímulo à geração
de novos postos de trabalho e espera, assim, sensibilizar o presidente e
a cúpula do Congresso, onde os presidentes das duas Casas e os
principais líderes já se manifestaram contra a medida. A um ano das
eleições municipais, os parlamentares estão em dívida com o eleitorado
por causa das mudanças na aposentadoria. Aumentar impostos pode ser a pá
de cal na chance de se eleger prefeito.
Bolsonaro encontra-se em uma encruzilhada. Na primeira tentativa de
elevar o IOF, em janeiro, ele voltou atrás diante da péssima repercussão
da iniciativa. O mote do "choque de emprego" porém, é sedutor. Desta vez, o presidente
pode estar trocando popularidade no curto prazo por recuperação do
emprego mais adiante, com o consequente ganho político que essa resposta
trará.
Editorial - Valor Econômico