O ápice do esquema de corrupção na Petrobras aconteceu quando José Sérgio Gabrielli e Graça Foster presidiram a estatal, mas eles – inexplicavelmente – permanecem impunes
A Operação Lava Jato completa quatro anos no próximo dia 17 de março. Nesse período, foram descobertos desvios milionários na Petrobras, com envolvimento direto dos mais altos hierarcas da estatal. A corrupção contaminou as principais diretorias – destaque para a de Abastecimento, Serviços e Área Internacional. Não à toa, figuras de proa da empresa foram parar atrás das grades, como os ex-diretores Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, todos já condenados pelo juiz Sergio Moro. Mais recentemente, a Lava Jato prendeu pela primeira vez um ex-presidente da petroleira: Aldemir Bendine, acusado de cobrar R$ 3 milhões da Odebrecht. É aí que mora o aspecto mais esquizofrênico disso tudo: enquanto Bendine, alçado ao comando da estatal aos 45 do segundo tempo da gestão Dilma, já foi condenado por Moro na última quarta-feira 7 a 11 anos de prisão, os dois ex-presidentes que comandaram a estatal no apogeu do esquema de corrupção, José Sérgio Gabrielli e Graça Foster, seguem livres, leves e, o que é pior, soltos.
Gabrielli foi nomeado presidente da Petrobras em julho de 2005 pelo ex-presidente Lula. Permaneceu no cargo por quase sete anos e foi sucedido por Graça Foster, indicada em 2012 pela ex-presidente Dilma Rousseff. Graça comandou a estatal por três anos. Mas até agora, em quatro anos de Lava Jato, nenhum dos dois foi convocado a prestar esclarecimentos sobre o que acontecia debaixo de seus narizes. Não foram alvos de nenhuma etapa da operação e também não foram denunciados, embora sejam investigados em vários procedimentos da Polícia Federal. Com tanta roubalheira na Petrobras, é difícil imaginar que Graça e Gabrielli não sabiam de nada. O Ministério Público Federal não se manifesta por que os dois estão blindados e ainda não respondem a processos no âmbito judicial.
O espantoso é que o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) já condenou Graça e Gabrielli. Junto com Cerveró, Gabrielli foi condenado a ressarcir a Petrobras em US$ 79 milhões por dano ao erário na compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. O negócio foi cercado de irregularidades e está sendo investigado pela força-tarefa da Lava Jato no Paraná. A compra da refinaria, em condições precárias, causou um prejuízo à estatal superior a US$ 700 milhões. Gabrielli também foi condenado a pagar multa de R$ 10 milhões. Já Graça Foster foi multada, pelo tribunal, em R$ 35 mil por irregularidades nas obras de tubulação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Os dois ex-presidentes ainda foram acusados pela Comissão de Valores Mobiliários, em dezembro de 2017, por supostas irregularidades na contratação de três navios-sonda.
Integrantes da PF ouvidos por ISTOÉ evitaram avançar sobre os detalhes das apurações contra Graça Foster e Gabrielli na Lava Jato, mas asseguram que essas apurações estão em andamento. Até porque ambos já foram citados ao longo das investigações. Previsão de punição, no entanto, não há. No início de fevereiro, Renato Duque, ex-diretor de serviços da Petrobras, que tenta fechar delação premiada há mais de um ano, implicou Graça Foster em depoimento à PF. Segundo relatou Duque, Graça teria se negado a realizar auditoria no contrato de aluguel de um prédio da BR Distribuidora, com receio do que poderia ser ali apurado. Duque contou que foi procurado por Graça em 2006, quando ela presidia a BR Distribuidora, para que conseguisse baixar o valor do aluguel do prédio. “Ela acreditava que esse contrato teria envolvido o pagamento de propina, dado o seu valor desproporcional”, disse o ex-diretor. Um dos envolvidos na assinatura do contrato era Rodolfo Landin, ex-presidente da BR Distribuidora, ligado à Dilma Rousseff. Justamente por causa dessa proximidade, Graça rejeitou a auditoria no contrato, conforme explicou Duque: “Por conta disso, ela não mexeria no contrato porque ‘iria feder’”.
Uma mão lava a outra
Gabrielli foi citado por mais de um delator da Lava Jato. O ex-gerente da área internacional da Petrobras, Eduardo Musa, disse que o ex-presidente tentou direcionar um contrato de US$ 1,6 bilhão para a Schahin Engenharia como compensação pelo empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões feito pelo pecuarista José Carlos Bumlai (amigo pessoal de Lula) junto ao banco Schahin. O empréstimo foi contraído para pagar dívidas de campanhas do PT. O valor nunca foi pago. A Schahin recebeu uma contrapartida, através desse contrato bilionário com a Petrobras. O operador do MDB, o lobista Fernando Soares, conhecido como Baiano, também delatou Gabrielli. Disse que o ex-presidente sabia dos pagamentos de propina na estatal. “Duque comentou comigo, assim como Nestor Cerveró, que Gabrielli tinha conhecimento dos acertos políticos”, afirmou Baiano. Um dos pressupostos da Lava Jato é o sacrossanto combate à impunidade. Portanto, a blindagem de quem quer que seja representa um passo atrás no cumprimento de seus propósitos mais louváveis.
“Duque foi indicado para afastar nomes de FHC das diretorias”, diz Dirceu
O ex-ministro José Dirceu afirmou, em depoimento ao juiz Sergio Moro, que Renato Duque foi indicado ao cargo de diretor de serviços da Petrobras para afastar nomes ligados ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso das diretorias da estatal. Dirceu foi ouvido na segunda-feira 5 como testemunha de defesa do ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira. De acordo com o ex-ministro, Duque foi escolhido em 2003, durante reunião com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff. “Os outros dois nomes citados eram integrantes da administração anterior, do FHC. Houve uma consulta à Casa Civil. Do ponto de vista político, não havia porque manter dois nomes da administração anterior se nós estávamos mudando a orientação da empresa. Nesse sentido, se optou pela indicação do Renato Duque”, afirmou. O ex-diretor de serviços (que ficou no cargo de 2003 a 2012) disse à Lava Jato ter sido apadrinhado por Dirceu e pelo PT.
Tábata Viapiana - IstoÉ