Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Grendene. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Grendene. Mostrar todas as postagens

domingo, 2 de setembro de 2018

Esquema cearense - testemunha diz que o próprio Ciro Gomes sabia de tudo - Conclusão

Em 2010, segundo a delação dos Batista, a Cascavel Couros, empresa do grupo JBS, recebeu parte de seus créditos junto ao governo e, em troca, pagou 5 milhões de reais à turma. 

Em 2014, a empresa recebeu 97,5 milhões de reais do governo e depositou 20 milhões para os aliados dos irmãos Gomes no caixa um e no caixa dois do Pros. Falando em tese, sem conhecer o caso específico, Ricardo Tonassi, professor de direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, afirma: “Além de corrupção e lavagem de dinheiro, condicionar a liberação de um pagamento oficial a um benefício eleitoral é crime de responsabilidade, improbidade administrativa e abuso de poder político”.

LER PRIMEIRA PARTE, Clique aqui




Propina – A Cascavel Couros, do grupo da JBS: doação em troca de créditos (//Divulgação)

A quinta grande credora do estado era a Vulcabras Azaleia — empresa com 15 000 empregados e com seus calçados distribuídos em vinte países. Ela não fez doação eleitoral alguma ao Pros nem ao candidato a governador apoiado pelos irmãos Gomes. Mesmo assim, recebeu seus créditos de 12,4 milhões de reais em 2014. Nesse caso, não há nenhuma conexão explícita, mas os investigadores têm levado em conta que os acionistas controladores da Grendene são os mesmos da Vulcabras Azaleia — ou seja, Alexandre Grendene Bartelle, Pedro Grendene Bartelle e Pedro Bartelle Filho. Procuradas, Grendene, Paquetá, Bermas e Vulcabras não se manifestaram.

A suspeita levantada pelo calendário é que o governo do Ceará costumava represar o pagamento dos créditos nos anos em que não havia eleição. No período eleitoral, no entanto, as torneiras do estado eram abertas — e as contribuições eleitorais jorravam. A regra, aparentemente, era simples: quem pagava recebia. Ao receber 97 milhões de reais no ano eleitoral de 2014, a Cascavel Couros, da JBS, por exemplo, embolsou mais do que o dobro do que recebera nos três anos anteriores somados. Aos números:
• Em 2011, quando não houve eleição, a Cascavel Couros tinha créditos de 58,2 milhões de reais, mas só recebeu 11,5 milhões;
• Em 2012, tinha ainda mais dinheiro para receber, 79 milhões, mas levou apenas 18 milhões;
• Em 2013, a situação ficou ainda pior: tinha 93,8 milhões de créditos e, no entanto, embolsou só 12,4 milhões;
• No ano eleitoral de 2014, porém, o cenário mudou radicalmente. Com 111 milhões de reais para receber, a Cascavel Couros levou 97,5 milhões — quase tudo a que tinha direito.

Quando o caso do esquema de extorsão no Ceará chegou ao Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2017, a cronologia dos pagamentos à JBS não passou despercebida ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato. O magistrado destacou que o Ministério Público chamava a atenção para o fato de que os pagamentos em anos eleitorais “foram bem superiores aos realizados em anos pretéritos”. O que não se sabia é que os tais pagamentos em anos eleitorais também dispararam para outras empresas, e não só a JBS. Em 2015, dois anos antes da delação dos donos da JBS, já havia suspeita de que algo estranho estava acontecendo. Soraia Victor, conselheira do Tribunal de Contas do Ceará, percebeu que os pagamentos do programa de incentivo tinham crescido 250% no ano eleitoral de 2014. Desconfiada, ela quis investigar o assunto a fundo. “Meu relatório foi votado, mas o TCE nem sequer o discutiu. Não deu atenção ao que eu estava apontando. Pedi uma auditoria. Mas o tribunal discordou. O tempo mostrou que eu estava certa, embora, naquele momento, eu ainda não soubesse exatamente do que se tratava”, diz a conselheira. Dos seis membros do TCE à época, quatro eram ligados aos irmãos Gomes. Um deles, Patrícia Saboya, é ex-mulher de Ciro Gomes.

Os delatores da JBS contaram que, em meados de 2014, receberam uma visita do governador Cid Gomes, que pediu uma contribuição de campanha, sem condicioná-la a nenhum benefício. Dias depois, no entanto, veio o achaque. Segundo os delatores, Arialdo Pinho, então chefe da Casa Civil do governo de Cid Gomes, e o deputado federal Antônio Balhmann solicitaram uma reunião com os donos da empresa. O assunto era o mesmo de que Cid Gomes tratara antes: doações eleitorais. Só que, dessa vez, não houve rodeios. Em seu depoimento, Wesley Batista, da JBS, relatou que Arialdo Pinho foi direto ao assunto: “Olha, nós precisamos daquela contribuição de 20 milhões e aqui o negócio é assim: você paga e nós lhe pagamos. Se você não paga, o estado não libera”. A JBS topou. Houve o seguinte acerto: uma parte do dinheiro (10,2 milhões) seria repassada como contribuição oficial. O restante (9,8 milhões) cairia no caixa dois. Arialdo Pinho e Antônio Balh­mann ficaram encarregados de definir a forma e o destino dos repasses.

É antiga a amizade de Ciro com Arialdo Pinho. Quando foi prefeito de Fortaleza (1989-1990), Ciro ajudou Pinho a divulgar seu novo negócio, um parque aquático — o Beach Park. Após Ciro deixar a prefeitura e ficar sem mandato, o empresário lhe deu um emprego como diretor financeiro do Beach Park. Durante um período, foi seu chefe. Já Balhmann foi secretário do governo de Ciro e ocupou um cargo de destaque no Ministério da Integração Nacional quando o agora candidato a presidente comandou a pasta no governo Lula. Segundo a delação da JBS, Pinho e Balhmann ficaram responsáveis por indicar as empresas-laranja e encaminhar as notas fiscais dos supostos beneficiários.

Por orientação deles, os recursos da JBS foram repassados da seguinte forma: 4 milhões de reais para o diretório do Pros no Ceará, 9,8 milhões para empresas determinadas por Pinho e Balhmann e o restante para candidatos apoiados pelos irmãos Gomes.  Entre os beneficiários da dinheirama aparecem o próprio Balhmann, o governador Camilo Santana (PT), que hoje concorre à reeleição com o apoio do presidenciável do PDT, e empresas ligadas aos irmãos Gomes. Uma delas é a Cankun Comunicação Institucional, que recebeu 1 milhão de reais. Seu dono, Manoel Canabarro, vem a ser o marqueteiro oficial da campanha de Ciro à Presidência.

O padrão “você paga e nós lhe pagamos” repetiu-se no caso das empresas com direito a 97% dos créditos devidos pelo Estado do Ceará. Por outro lado, o padrão “se você não paga, nós não lhe pagamos” também parece ter funcionado. A Dass Nordeste, uma fabricante de calçados esportivos, não fez nenhuma doação eleitoral. Em 2014, ela tinha apenas 1,6 milhão de reais a receber do governo cearense — uma ninharia, perto das demais beneficiadas pelo programa. Ainda assim, menos da metade desse valor foi paga à Dass Nordeste, que até hoje cobra, sem sucesso, a diferença. Os investigadores têm uma suspeita óbvia: a empresa não recebeu porque não topou pagar a propina. Procurada, a Dass não quis comentar o assunto.

O Ministério Público Federal no Ceará já identificou nas delações da JBS crimes de lavagem de dinheiro, além de corrupção ativa e passiva. Por determinação da Justiça, a Polícia Federal abriu um inquérito para averiguar o pagamento de propina em 2010. No último dia 24, o procurador Luiz Carlos Oliveira Júnior requereu a abertura de outra investigação para apurar o achaque de 2014. Cid Gomes, Arialdo Pinho e Antônio Balhmann são os alvos. Procurado por VEJA, Arialdo Pinho disse que “só falará à Justiça”. O deputado Antônio Balhmann admitiu ter pedido dinheiro à JBS, mas ressaltou que foi tudo dentro da lei e que jamais vinculou as doações à liberação de créditos pelo estado. O marqueteiro Manoel Canabarro, dono da Cankun, não quis comentar o caso. Os irmãos Ciro e Cid não responderam aos pedidos de entrevista.

“Ciro sabia e participava”

 

O ex-tesoureiro – Niomar Calazans: pronto para depor (Cristiano Mariz/VEJA)

O administrador de empresas Niomar Calazans, 48 anos, ajudou a fundar o Pros e foi primeiro-tesoureiro nacional do partido por mais de dois anos. Durante esse tempo, também exerceu o cargo de secretário da presidência da legenda. As duas funções colocaram-no à cabeceira da mesa das principais negociações políticas e financeiras do Pros entre 2013 e 2015, período em que o partido, sabe-se hoje, foi usado como incubadora de várias tramoias, principalmente nas eleições de 2014. No âmbito federal, a sigla vendeu seu apoio à presidente Dilma Rousseff. Nos estados, vendeu diretórios regionais para abrigar candidaturas e dar suporte a alianças de conveniência.

Em entrevista ao repórter Hugo Marques, o ex-tesoureiro conta o que viu e ouviu sobre esses pagamentos de propina e diz que Ciro Gomes, candidato a presidente da República, sabia e participava de todas as negociações — as lícitas e as ilícitas. Afirma também que o presidenciável chegou a negociar pessoalmente a “compra” do diretório do partido no Ceará. Na terça-feira 28, Calazans prestou depoimento como testemunha num inquérito na Polícia Federal que investiga a falsificação de documentos da sigla — denúncia que ele mesmo fez em 2015, ainda na condição de tesoureiro, e que resultou em sua expulsão da legenda “por ter infringido o código de ética e disciplina do estatuto do Pros”. Calazans, na época, acusou Euripedes Junior, o presidente do partido, de fraudes e desvio de dinheiro público. A seguir, sua entrevista.
A JBS diz que pagou propina ao grupo do ex-governador Cid Gomes e ao Pros para receber créditos do governo. Isso é verdade?
É totalmente verdade. Os delatores disseram exatamente o que aconteceu.

Quem sabia disso?
Todo mundo sabia. Eles fizeram uma jogada lá, e o dinheiro veio desse acerto com os empresários.

Todo mundo quem?
O governador Cid Gomes, o Ciro, o governador Camilo Santana, o Euripedes Junior, o Arialdo Pinho, o deputado Antônio Balhmann e todos os aliados deles que usaram o dinheiro na campanha.

Ciro Gomes também sabia?
O Ciro Gomes sabia e participava, com certeza.

Ele também sabia que seu irmão Cid pedira propina à JBS?
 No Ceará, um não faz nada sem o outro. Cid Gomes era governador por indicação do Ciro. Quando um está em um partido, o outro também está. Trabalham em conjunto.
(...)

Não era o senhor que cuidava das questões financeiras? Eu era o tesoureiro nacional. Mas era o Ciro Gomes que negociava a parte do dinheiro do Ceará. Os 20 milhões de reais que a JBS repassou em 2014 foram para o grupo de Ciro, que apoiou a candidatura do Camilo Santana.

Nós só acompanhávamos. Ciro precisava do partido no estado para tocar a campanha do seu grupo político. O pessoal dele negociou esses créditos, dinheiro usado para eleger o grupo dele. E ainda houve o caso dos 2 milhões que Ciro teve de dar ao Euripedes Junior para poder controlar o Pros no Ceará.

(...)

Por que o senhor não denunciou antes a venda do Pros no Ceará por 2 milhões?
 Nos depoimentos que prestei à Polícia Federal e à Polícia Civil, só me perguntaram sobre falsificação de atas de reuniões e uso irregular de dinheiro público envolvendo o presidente do Pros, temas que denunciei ao Ministério Público em 2015, antes de ser expulso do partido. Há muitas coisas que presenciei e, se me perguntarem, vou dizer como aconteceram.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598