Mensalão
e corrupção na Petrobras nasceram da mesma árvore. É o que será detalhado depois
de amanhã, uma vez definida a lista dos candidatos à Procuradoria-Geral da
República
Palácio
do Planalto, janeiro de 2003. Lula
degusta a primeira semana no poder em conversa com os ministros José Dirceu
(Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda) e Miro Teixeira (Comunicações). Preocupa-se
com o novo Congresso, que toma posse no mês seguinte. Chegou à Presidência com 52 milhões de votos, mas o PT não conseguiu ir além dos 18%
das cadeiras na Câmara, com
91 deputados federais. Discute “como é que se organiza”, nas suas
palavras, a maioria no Legislativo. Dirceu sai na frente com um enunciado sobre
o “Congresso burguês”, evocação dos “300 picaretas” que Lula usara anos
antes ao se referir à maioria dos parlamentares federais.
O líder
escuta, sorridente, a ideia de usar cargos com fatias do orçamento do governo e
das empresas estatais para compor a
“maior base parlamentar do Ocidente”. A
proposta esconde e mistifica, tanto quanto revela. Palocci
e Miro percebem o aval de Lula a Dirceu. Em oposição, sugerem alianças a
partir de projetos específicos — a começar pelo “ajuste fiscal” —, até para atrair parte da oposição, o PSDB de
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo que exibia o orgulho de ter passado a
faixa presidencial ao operário transformado em símbolo da democracia industrial
brasileira. Palocci e Miro insistem.
Acabam atropelados.
A partir
de então, houve romaria ao quarto andar do Planalto,
onde o secretário-geral do PT Silvio Pereira e o tesoureiro do partido Delúbio
Soares loteavam cargos entre
aliados. Dirceu homologava, auxiliado por Fernando Antônio Guimarães
Hourneaux de Moura, mais conhecido como “FM”.
No Congresso, provocavam-se frequentadores do Planalto: “O deputado anda ouvindo muita rádio ‘FM’”.
A mecânica das negociações havia
sido testada na campanha. Numa noite de junho de 2002, Lula, o vice José Alencar, Dirceu e Delúbio
foram ao apartamento do deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília. Lá estava
Valdemar Costa Neto, líder do PR, que contou à revista “Época” em agosto de 2005: “O Lula e o Alencar ficaram na sala; fomos para o quarto eu, o Delúbio e
o Dirceu. Comecei pedindo uns R$ 20 milhões...”
Valdemar
levou metade e, mais tarde, ganhou como outros a “porteira fechada” de departamentos (Dnit), delegacias (Trabalho e
Receita Federal) e diretorias (Infraero, Itaipu e Correios). O “filé” era a
Petrobras, na definição de Roberto Jefferson, líder do PTB. Foi partilhado por
dois Josés: Dirceu, do PT, e Janene, do
PP. Logo, somaram-se líderes do PMDB.
Havia
engenho na separação entre o mensalão e a reserva de até 3% nos contratos entre
a Petrobras e cartéis privados — supervisionada pelo diretor Renato Duque, recrutado por Dirceu e “FM”.
O mensalão viabilizava “a maior bancada parlamentar do Ocidente”.
A Petrobras financiava a máquina
eleitoral necessária aos “20 anos no
poder”, incluindo uma espécie de folha complementar de salários para
ocupantes de cargos-chave no governo.
Mensalão e corrupção na Petrobras
nasceram da mesma árvore. Depois de dez invernos, evidencia-se seu cultivo com o uso sistêmico da
política para crimes. Novos detalhes devem aflorar
depois de amanhã, quando se define a
lista de sucessão na Procuradoria-Geral da República. Como sempre,
tudo foi encoberto em nome da luta “contra
a exploração dos trabalhadores” — os mesmos que, hoje, estão pagando a
conta.
Fonte: José Casado – O Globo