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terça-feira, 12 de setembro de 2017

Eu avisei: Janot tenta conter a própria danação

Janot insiste em agir como se a PGR fosse acabar ao fim de seu mandato, típico de indivíduo cuja ascensão tem como escada o rebaixamento da instituição que representa


É inacreditável que ainda seja procurador-geral da República; que não tenha renunciado depois daquela que escolheu como grife para sua gestão à frente do Ministério Público Federal, o acordo de colaboração do bando da J&F, ter ruído por obra de sua — sou generoso incompetência. Mas o Janot que se aferra à réstia de seu mandato, que dispara denúncias ineptas para se defender e que — neste momento — bebe cerveja com o advogado de Joesley Batista é representação mais próxima do que ele verdadeiramente seja do que aquele arqueiro corajoso libertado pelo impeachment de Dilma Rousseff, em junho de 2016.

Convém lembrar, pois, a conduta do valente à época em que ainda não fora obrigado a surfar a onda da Lava-Jato imposta desde Curitiba. Em dezembro de 2014, por exemplo, a revista “IstoÉ” informava que havia sete meses Janot mantinha excêntricos encontros com prepostos das empreiteiras agentes no esquema de corrupção na Petrobras então incipientemente investigado pela operação.  Àquela altura, o procurador-geral, empossado em setembro 2013, parecia simpático à tese formulada pelo ex-ministro lulista Márcio Thomaz Bastos segundo a qual as empreiteiras deveriam se antecipar: assumir que formavam um cartel — para superfaturar contratos com a petroleira — e propor um acordo que lhes permitisse continuar disputando obras públicas e encerrasse as investigações em troca do pagamento de multa. E — digo eu — antes que a devassa chegasse ao governo petista.

Essa proposta de conchavo embutia um presente ao PT: porque, ao admitir a cartelização na pilhagem à estatal, as empresas reduziriam o papel do governo ao de vítima do petrolão, protagonizado por empresários, burocratas e políticos desgarrados. “Se arrecadar R$ 1 bilhão para fazer dez penitenciárias, estou satisfeito” — teria dito Janot a Bastos a propósito do acordo, segundo relato do advogado José Francisco Grossi e conforme publicado por este O GLOBO em março de 2016.

Seria provavelmente o fim da Lava Jato — e certamente sem que qualquer político relevante fosse pego. O arranjo, porém, não prosperou; porque logo viria a delação de Paulo Roberto Costa, que fez enfim pipocar nomes de políticos, e a pressão vinda da força-tarefa curitibana — vigorosa, mas nem sempre virtuosa — sobrepôs-se à acomodação de Brasília.  Naquele tempo, Janot, conciliador-geral, tinha margem de adaptação — inclusive para se tornar herói de feitos alheios. Hoje, sob desconfiança, não mais. É à luz dessa condição — a de um homem acuado — que suas recentes flechadas devem ser compreendidas. Ou alguém acha que viria a público tratar dos novos áudios encontrados no gravador de Joesley se tivesse opção?

Que nos lembremos: ele não queria que a geringonça fosse periciada; Fachin tampouco considerara importante. A dupla quase derrubou um presidente sem que o aparelho tivesse sido examinado. Mas a Polícia Federal o fez; e conseguiu recuperar o material apagado. O resto é Joesley, com medo, correndo para entregar as gravações que ocultara. O resto é Janot, com medo, correndo para tentar conter a própria danação.
Ah, sim: ele pediu a prisão (atenção) temporária de Joesley e de Ricardo Saud, o que, aceito por Fachin, suspendeu a imunidade prevista no acordo que firmaram com o MPF. Estão já presos. (A prisão do ex-procurador Marcelo Miller não foi decretada.) Muito bem. É notícia velha. Mas há quem ainda veja decência na ação de Janot. No entanto, pergunto: tinha alternativa? Poderia nada fazer sobre a cambada da J&F, o que significaria deixar que sua sucessora tomasse as providências — todas, desde o início — a respeito?

Que não nos esqueçamos: ele passará o comando da PGR, na próxima segunda, a Raquel Dodge — que não é sua aliada. Daí por que indago: poderia arriscar que ela desse encaminhamento mais severo à apuração sobre a bizarria em que consiste o contrato de colaboração dos Batista etc.? Poderia arriscar ver sua substituta dar à investigação sobre as origens e a cronologia do acordo — sobre as relações entre Janot e Miller, e deste com Joesley e Saud — o mesmo peso dado ao pedido de prisão dos açougueiros? A resposta é não. Ainda assim, insiste em se comportar como se a PGR fosse acabar ao fim de seu mandato — modo típico de indivíduo cuja ascensão tem como escada o rebaixamento da instituição que representa. Objetivamente, entretanto, desde que se ouviu o conteúdo da gravação em que Joesley e Saud se referem ao trato com o MPF como instrumento para a realização de negócios, tudo quanto Janot fizesse estaria sob suspeita, seria enfraquecido e só teria algum efeito se para a narrativa desesperada com a qual tenta não ser incriminado — o que resultaria em impacto deletério sobre os interesses do Brasil.

Isso serve — acima de tudo — para as denúncias que apresentou a partir de então. Ou haverá outra forma de se encarar, por exemplo, a que lançou contra os petistas e por que só agora? — senão como um favor a Lula, Dilma etc.?  Esse é o lugar ao qual seu — sou generoso — projeto de poder levou a PGR. A novidade é que, antes do que se imaginava, ele também encontrou seu lugar, sua nota de rodapé, na história — a forma como o maior inimigo da Lava-Jato será lembrado ainda em 2017: Janot do Joesley.


Fonte:  Carlos Andreazza - O Globo