‘Bolsonaro chegou ao poder com certa onipotência’, diz Michel Temer
Em sua passagem pelo poder, Michel Temer foi presidente, vice e comandou a Câmara dos Deputados três vezes. Conhecedor da relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso, ele avalia, em entrevista ao GLOBO, que Jair Bolsonaro iniciou a sua gestão com uma “certa onipotência”, desprezando alianças com partidos políticos. O cenário, que já vinha se transformando, passou pela mudança mais profunda na semana passada. Sob pressão da CPI da Covid e com a popularidade em queda, Bolsonaro entregou, em suas próprias palavras, a “alma do governo” ao Centrão, tornando o senador Ciro Nogueira (PP-PI) ministro da Casa Civil. Temer aprovou a iniciativa, mas aconselha o presidente a lidar de forma mais harmônica com os Poderes. Para o ex-presidente, a ameaça do sucessor à realização das eleições e a ofensiva contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) são “inúteis e inconstitucionais”.
O presidente demorou a perceber que precisava do Congresso para governar, uma vez que chegou ao poder rejeitando o Parlamento?
Talvez (ele) tenha chegado com a sensação, digamos assim, de uma certa
onipotência. Não existe a possibilidade de o presidente comandar tudo.
Só comanda com o apoio do Congresso Nacional, e não é apenas porque o
presidente queira trazer o Congresso para governar junto, mas porque a
Constituição assim o determina. Ele (Bolsonaro) percebeu e começou a
tentar trazer o Congresso, que é fundamental para a governabilidade. O
Ciro terá que exercer o duplo papel de ter uma relação fértil com os
parlamentares e, de igual maneira, ter a capacidade de conduzir a
administração do país. É claro que o presidente não pode brigar com o
chefe da Casa Civil, porque daí cria um problema para si próprio. Mas
não acredito que isso venha a acontecer.
Ajuda, porque ele firma uma aliança muito sólida com uma parcela do Congresso e, se ampliar a interlocução, também amplia a possibilidade de ter apoio. Não tenho dúvida disso.
A eleição de 2022 será polarizada ou há brecha para um candidato do centro?
Acredito
que terá um candidato do centro. Discute-se muito esse tema como se
fosse em favor de uma candidatura do centro, e não é. É uma homenagem ao
eleitor, que, entre dois polos, tenha o direito de escolher uma
terceira opção. Evidentemente, se o eleitorado decidir por um dos polos,
está decidido, mas tem que ter opção.
Primeiro, precisa
O
senhor disse que perdemos o hábito de ler a Constituição. Isso vale para
Bolsonaro, que faz ataques ao processo eleitoral, ao TSE e
ao STF?
Qual a sua posição sobre o voto impresso, que foi rechaçado por 11
partidos? [rechaçado de forma oficiosa.]
É uma discussão inútil. O voto eletrônico no Brasil serviu de exemplo para outros países. Tecnicamente, não conheço essa questão, mas não vejo como se possa violar a urna eletrônica. [Esta resposta criativa do ex-presidente explica o título do post - ele sabe que não está sendo cogitada a substituição, o fim, do voto eletrônico (e sabe que nós sabemos que ele sabe)porém, tenta trair o eleitor dando uma reposta que não combina com a real situação = o que se busca é permitir que eventual fraude seja detectada = o sistema atual impede que havendo fraude, ocorra sua constatação. Aqui, saiba mais.] a detecção de fraude que substituir o voto eletrônico l Em face do sucesso que se verificou, tenho a sensação de que essa discussão não deveria ser colocada em pauta.
No sistema de quatro anos, eu sou a favor. É um período curto. Se ampliássemos o prazo para cinco ou seis anos, seria o ideal e não teríamos reeleição. A reeleição gera a ideia de que o sujeito chega à Presidência e começa a trabalhar pela reeleição. E muitos gestos que poderiam ser considerados impopulares, mas úteis para o Brasil, ele não pratica. Quando assumi, recebi um conselho: “Presidente, aproveite sua impopularidade e faça o que o Brasil precisa.”
Como avalia a participação dos militares no governo Bolsonaro?
Não faço distinção entre civil e militar. Portanto, militares podem participar do governo. A crítica é ao excesso de patentes ocupando cargos na administração. Há declarações de graduados das Forças Armadas em que se percebe que muitos não querem que os da ativa ocupem cargos executivos.
O que acha do trabalho da CPI da Covid?
Como presidente da Câmara três vezes, eu imaginava que as CPIs teriam que ter uma conclusão que defina uma ação penal ou de responsabilidade civil, porque ela não passa de uma investigação. É claro que durante sua tramitação há grande agitação política no país. Mas é só. Nada mais do que isso. O resto é de iniciativa do Ministério Público Federal.
Diante do que já foi apurado pela CPI da Covid, já poderia ser configurada a responsabilidade do presidente Bolsonaro?
Digamos que gere uma responsabilidade política. Já há 130 pedidos de impedimentos, muitos pautados pela atuação na pandemia e um dos últimos mencionou o caso da Covaxin. Se o resultado for esse, digamos que já tem o instrumento definido e proposto perante o presidente da Câmara, a quem incumbe deflagrar o processo de responsabilização ou não. [mais uma resposta do ex-presidente que justifica o título da matéria; o próprio foi vítima de tentativa de impeachment que não prosperou exatamente por faltarem votos, falta motivada ela flagrante insuficiência de provas - os boatos apresentados como provas foram insuficientes para sustentar um processo de impeachment, mesmo sendo um ato predominantemente político.]
Esta é a maior crise que o país vive desde a redemocratização?
Não há dúvida. É uma das mais preocupantes. Tivemos o impeachment da senhora presidente (Dilma Rousseff), que teve oposição, mas não chegamos a uma crise tão dramática. [não podemos olvidar que a chamada redemocratização trouxa a tal Nova República - sistema de governo em que a a prática da corrupção se tornou norma.]
Bolsonaro tem embates com o vice, Hamilton Mourão. É um mau negócio para o país?
E para o presidente, né? Não convém brigar com o vice. Não é útil para a Presidência, e é inútil para o país. Isso dá uma instabilidade política e social, que pode até afetar a economia. Aqui no Brasil, a tendência é isolar o vice-presidente. Tanto é que quando o presidente perde o cargo e o vice assume, dizem: “Ah, foi golpe”, quando é o cumprimento da Constituição.
Qual o conselho o senhor daria para Hamilton Mourão não ser um vice decorativo?
É complicado, depende muito do presidente. O vice-presidente Mourão tem feito declarações muito adequadas, sensatas. De vez em quando, me surpreendo quando vejo que há uma restrição do presidente ao vice. Sempre me pareceram muito próximos. Valia a pena que (Mourão) se aproximasse, mas é uma ação conjunta.
Tem falado com o presidente?
No passado, ele teve a delicadeza de me telefonar. Quando se falou em conselho, eu disse que não dava conselhos para presidente da República, mas poderia dar alguns palpites se ele quisesse. Disse o que deveria dizer naquela ocasião. E até devo registrar que o governo Bolsonaro jamais criticou o meu governo. [o governo Temer não foi um governo ruim = médio, com viés para melhor; o que atrapalhou Temer foi a indecisão - dizem as más línguas que Temer até para dar um boa noite pensa nas consequências do ato - e a cobra do Janot.]
Se houvesse um novo telefonema, qual palpite daria?
Harmonia. Procure harmonia com os Poderes. E harmonia deriva do diálogo.