Lula treme
Temendo a prisão, Lula revela desespero ao criticar publicamente o PT. O ex-presidente, que tem dormido pouco, apresenta crises de choro, diz que o governo Dilma não tem mais jeito e avalia que a vitória de Aécio em 2014 poderia até ter sido melhor
[Não confiem no Lula. Ele é pior que cobra e uma cobra só pode ser considerada morta quanto partida em vários pedaços e enterrados ou queimados.]O ex-presidente Lula anda insone. Segundo amigos próximos, o petista não consegue sossegar a cabeça no travesseiro desde a prisão, há duas semanas, de Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira do País, e do executivo Alexandrino Alencar, considerados os seus principais interlocutores na empresa. Tem dormido pouco.
ELA TIRA O SONO DELE
Integrantes da Lava Jato querem investigar suposto depósito milionário
feito em Portugal pela amiga de Lula, Rosemary Noronha
Integrantes da Lava Jato querem investigar suposto depósito milionário
feito em Portugal pela amiga de Lula, Rosemary Noronha
Nem quando recebeu o diagnóstico de câncer na laringe, em 2011, o petista demonstrou estar tão apreensivo como agora. Pela primeira vez, desde a eclosão da Operação Lava Jato para investigar os desvios bilionários da maior estatal brasileira, a Petrobras, Lula teme amargar o mesmo destino dos empreiteiros. Até um mês atrás, o ex-presidente não esperava que sua história poderia lhe reservar outra passagem pela cadeia.
Em 1980, o então líder sindical foi detido em casa pelo DOPS, a polícia política do regime militar. Permaneceu preso por 31 dias, chegando a dividir cela com 18 pessoas. Agora, o risco de outra prisão – desta vez em tempos democráticos – é real. Na quinta-feira 25, o tema ganhou certo frisson com a divulgação de um pedido de habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente impetrado na Justiça Federal do Paraná. Descobriu-se logo em seguida, no entanto, que a ação considerada improcedente pelo Tribunal Regional Federal não partiu de Lula nem de ninguém ligado a ele. Mas, de fato, o político já receia pelo pior. O surto público recheado de críticas ao governo Dilma Rousseff e petardos contra o partido idealizado, fundado e tutelado por ele nos últimos 35 anos expôs, na semana passada, como os recentes acontecimentos têm deixado Lula fora do eixo.
Em privado, o ex-presidente exibe mais do
que nervos à flor da pele. Na presença de amigos íntimos, parlamentares e
um ex-deputado com trânsito nos tribunais superiores, Lula desabou em
choro, ao comentar o processo de deterioração do PT. Como se pouco ou
nada tivesse a ver com a débâcle ética, moral e eleitoral da legenda,
ele lamentou: “Abrimos demais o partido. Fomos muito permissivos”,
justificou. Talvez naquela atmosfera de emoção, Lula tenha recordado de
suas palavras enunciadas em histórica entrevista à ISTOÉ no longínquo
fevereiro de 78, quando na condição de principal líder sindical do ABC
paulista começava a vislumbrar o que viria a ser o PT, criado em 1980.
“Para fazer um partido dos trabalhadores é preciso reunir os
trabalhadores, discutir com os trabalhadores, fazer um programa que
atenda às necessidades dos trabalhadores. Aí pode nascer um partido de
baixo para cima”, disse na ocasião.
Hoje, o PT, depois de 12 anos no
poder, não reúne mais os trabalhadores, não discute com eles, muito
menos implementa políticas que observem as suas necessidades. Pelo
contrário, o governo Dilma virou as costas para os trabalhadores,
segundo eles mesmos, ao vetar as alterações no fator previdenciário,
mudar as regras do seguro para os demitidos com carteira assinada e
adotar medidas que levam à inflação e à escalada do desemprego. Agora
crítico mordaz da própria obra, Lula sabe em seu íntimo que não pode se
eximir da culpa pela iminente derrocada do projeto pavimentado por ele
mesmo.
Restaram os desabafos, sinceros ou não, e a
preocupação com o futuro. Num dos momentos de lucidez, o ex-presidente
fez vaticínios impensáveis para quem, até bem pouco tempo, imaginava
regressar triunfante ao Planalto daqui a três anos. Em recentes
conversas particulares no Instituto que leva o seu nome, em São Paulo,
Lula desenganou o governo Dilma, sucessora que ele mesmo legou ao País.
“Dilma já era. Agora temos que pensar em salvar 2018”, afirmou
referindo-se às eleições presidenciais. Para o petista, a julgar pelo
quadro político atual, “teria sido melhor” para o projeto de poder
petista e da esquerda “que (o senador tucano) Aécio Neves tivesse ganho
as eleições” presidenciais do ano passado. Assim, no entender dele, o
PSDB, e não o PT, ficaria com o ônus das medidas amargas tomadas na
esfera econômica destinadas a tirar o País da crise, o que abriria
estrada para o seu retorno em 2018.
Como o seu regresso não é mais favas
contadas, o petista tem confidenciado todo o seu descontentamento com a
administração da presidente Dilma. Lula credita a ela e ao ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, o avanço da Lava Jato sobre sua gestão.
Embora essa hipótese ainda seja improvável, petistas ligados ao
ex-presidente não descartam a possibilidade de ruptura, o que deixaria a
presidente ainda mais vulnerável para enfrentar um possível processo de
impeachment. A atitude, se levada adiante, não constituiria uma
novidade. Em outros momentos de intensa pressão, como no auge do
mensalão e do escândalo do caseiro Francenildo, Lula não se constrangeu
em rifar aliados e até amigos do peito, como os ex-ministros José
Dirceu, Antonio Palocci e Ricardo Berzoini.
Quem testemunhou as confidências de Lula na ampla sala de reuniões de
seu Instituto, sediado na capital paulista, não chegou a ficar surpreso
com o destempero verbal apresentado pelo petista na semana passada. Não
se pode dizer o mesmo da maioria expressiva da classe política,
impossibilitada de privar da intimidade do ex-presidente. De tão pesados
e surpreendentes, os ataques de Lula a Dilma e ao PT foram recebidos
com perplexidade. O primeiro tiro foi disparado na quinta-feira 18. Numa
reunião com padres e dirigentes religiosos, Lula admitiu, em alusão ao
nível baixo do sistema da Cantareira, que ele e Dilma estão no volume
morto. “E o PT está abaixo do volume morto”, avaliou. Na segunda-feira
22, Lula elevou ainda mais o tom. Só que contra o PT. Em debate com o
ex-presidente do governo espanhol Felipe Gonzáles, disse que o partido
“está velho, só pensa em cargos e em ganhar eleição”. “Queremos salvar a
nossa pele, nossos cargos, ou queremos salvar o nosso projeto?”,
questionou Lula, durante a conferência “Novos Desafios da Democracia”.
Nos dias subseqüentes às declarações, enquanto o meio político tentava
interpretar o gesto do petista, o Planalto reagia a seu modo. Num
primeiro momento, Dilma minimizou.“Todos têm direito de fazer críticas,
principalmente o presidente Lula”. No dia seguinte, no entanto, Dilma
orientou o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, a procurar Lula
para tentar entender as razões de tamanha fúria. Paralelamente, o
ex-presidente tratou de se proteger. Articulou junto à bancada do PT no
Senado a divulgação de uma nota de desagravo a ele próprio. Criou,
assim, mais uma jabuticaba política: fez com que o partido atacado
emitisse um documento em apoio ao autor dos ataques. Na nota, o PT
manifestou “total e irrestrita solidariedade ao grande presidente Lula,
vítima de uma campanha pequena e sórdida de desconstrução de uma imagem
que representa o que o Brasil tem de melhor”. No fim da semana, ao
perceber o ar rarefeito, Lula mandou emissários espalharem o suposto
reconhecimento de que ele 'se excedeu”. Era tarde.
Para o cientista político da USP, José Álvaro Moisés, ao abrir confronto
contra Dilma e o PT, Lula “jogou para a plateia”. “Ele está vendo o
navio fazer água, por isso age assim”, avaliou. Para Oswaldo do Amaral,
da Unicamp, ao dizer que o partido precisa de uma renovação, Lula tenta
uma reaproximação com o eleitorado mais jovem, segmento hoje refratário a
ele. O jornalista José Nêumanne
Pinto, autor do livro “O que sei de Lula”, no qual conclui que o
ex-presidente nunca foi efetivamente de esquerda, é mais contundente.
Para ele, “Lula é sagaz e não tem escrúpulo nenhum para mudar seu
discurso”. “O ex-presidente tem circunstâncias e conveniências que ele
manipula”, afirmou. “Na verdade, ele não quer se descolar do PT e sim da
Dilma. Com esse discurso da utopia, ele planeja atrair parte do PT que
finge ser honesto”, disse.
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Colaborou Ludmilla Amaral
Fotos: Michel Filho / Agência O Globo, DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE; Jorge Araujo/Folhapress; Andre Penner/AP Photo, Ed Ferreira/Folhapress; Pedro França/Agência Senado; JOEL RODRIGUES/FRAME/ESTADÃO CONTEÚDO