Weslley Galzo
Procurador-geral autorizou recebimento de indenizações e outros 'penduricalhos' no contracheque de dezembro; maior valor pago no mês foi de R$ 446 mil
Procuradores chegam a receber mais de R$ 400 mil em um mês após decisão de Aras
Decisões do procurador-geral permitiram o recebimento de indenizações e outros ‘penduricalhos’ no contracheque de dezembro; maior valor pago individualmente foi de R$ 446 mil
Robalinho é ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e foi um dos que se opuseram à indicação de Aras, escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro fora da lista tríplice, ou seja, sem o aval da categoria. As benesses do PGR para agradar a seus colegas custaram ao menos R$ 79 milhões aos cofres do Ministério Público da União, segundo dados do Portal da Transparência.
Durante a apuração da reportagem pelo Estadão, o Sistema de Gestão de Pessoal (GPS-Hórus) da Procuradoria-Geral da República modificou as planilhas, que indicavam o recebimento de R$ 545 mil brutos por parte de Robalinho. A justificativa para as mudanças foi a de que havia inconsistências na base disponível anteriormente. “Os relatórios de remuneração de membros do Ministério Público Federal do mês de dezembro de 2021 estão sendo republicados para corrigir falha que gerou resultado diferente do efetivamente pago aos procuradores da República. O que leva à conclusão equivocada acerca de um acréscimo nos valores recebidos”, destacou nota incluída pela PGR nas planilhas do site até a noite de ontem. “Reiteramos que não houve falha no pagamento, mas apenas na divulgação dessa informação no Portal da Transparência”, acrescentou a Procuradoria.
No Ministério Público da União, os pagamentos foram possíveis porque, a poucos dias do recesso no Judiciário, Aras abriu edital permitindo que procuradores solicitassem, de uma só vez, o recebimento em dinheiro de licenças-prêmio acumuladas há anos. Com a autorização, quem tinha folgas para gozar pôde converter esses dias em dinheiro no contracheque de dezembro. A prática é incomum em empresas privadas, nas quais horas extras ou dias a mais trabalhados são transformados em valores pagos ao funcionário apenas quando há aposentadoria ou demissão.
Uma portaria de Aras também determinou o pagamento antecipado das férias deste ano. O resultado das concessões feitas pelo chefe do Ministério Público foi que um grupo de 675 procuradores recebeu cifras acima de R$ 100 mil em dezembro, montante comparável aos bônus pagos por grandes empresas a seus diretores.
No caso de Robalinho, a soma dos valores supera até mesmo a soma do bônus de até R$ 400 mil que cada um dos nove diretores da Petrobras, a segunda maior empresa do Brasil, recebeu em 2020. A cifra destinada ao procurador, que atualmente chefia a Procuradoria Regional da República da 1ª Região, corresponde a R$ 104 mil por férias não gozadas, R$ 34,9 mil de abono pecuniário (pagamento de férias) e outros R$ 210 mil de conversão da licença prêmio em vencimentos na folha de pagamento. Ele recebeu, ainda, R$ 1,8 mil de auxílio alimentação no mês – o que corresponde a R$ 85 por dia útil de dezembro. Com descontos, o valor líquido recebido foi de aproximadamente R$ 401 mil.
Ao ser questionado pelo Estadão sobre o acúmulo de quase meio milhão em apenas um mês, Robalinho destacou que o pagamento de todas as indenizações a que os procuradores fazem jus, em um único contracheque, nunca havia ocorrido em outros momentos de sua carreira. No fim do ano passado, por exemplo, suas gratificações somaram R$ 18 mil. “Essa questão das férias foi uma questão pontual, excepcional, porque não foi possível gozar férias por interesse do serviço. Isso é uma coisa raríssima. No meu caso, em 22 anos de Ministério Público, isso só aconteceu agora. É uma situação realmente excepcional. Isso não acontece a torto e a direito.[home office dispensa gozar férias.] Só que também são pouquíssimos os que têm situações limite de serviço para que isso aconteça”, disse Robalinho.
As decisões de Aras também beneficiaram aliados, como o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, segundo na hierarquia da PGR, que recebeu R$ 332 mil em dezembro entre remunerações e indenizações. Procurado, ele disse que não participou da elaboração dos atos assinados e atribuiu os valores aos seus 40 anos de funcionalismo público.
Professor de Direito Trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Paulo Renato da Silva disse que as decisões de Aras precisam ser analisadas sob o ponto de vista dos princípios da legalidade e da moralidade. “Licença-prêmio é uma coisa que não faz sentido, já deveria ter acabado. São arranjos que o legislador vai fazendo à mercê de interesses políticos e do lobby. Isso vai produzindo na legislação um monte de penduricalhos com verbas muito expressivas.” [para o funcionário publico comum, o 'barnabé' = o que não é MEMBRO = a licença prêmio acabou desde o século passado.]
O jurista é crítico aos pagamentos de licença prêmio e aponta para a falta de transparência das decisões do Ministério Público Federal, que faz a autogestão das questões orçamentárias por meio do seu Conselho Superior, também presidido pelo procurador-geral da República.De acordo com Silva, o Ministério Público e o Judiciário têm autonomia financeira, o que tende a gerar problemas relacionados ao corporativismo. “São eles que gerem o próprio dinheiro e há muitos interesses corporativos convergentes”, argumentou.
Ubiratan Cazetta, atual presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), discorda. “Não são penduricalhos, como geralmente se fala”, afirmou. Segundo Cazetta, nenhum dos pagamentos foi feito de forma ilegal. “São valores que se referem às licenças-prêmio que foram convertidas em pecúnia (dinheiro) ou a períodos de férias que estão sendo marcados para agosto de 2022 e sendo pagos”.
Para entender:
O que compõe os valores pagos a procuradores
- Abono pecuniário: venda de 1/3 das férias, que são convertidos em valor extra na remuneração.
- Ajuda de custo: despesas relacionadas ao desempenho da função do servidor, como mudança em caso de transferência do local de trabalho.
- Auxílio pré-escolar: benefício pago para despesas com berçário, creche, maternal, jardim de infância e pré-escola dos dependentes dos servidores, no valor de R$ 719,62.
- Auxílio-alimentação: destinado ao servidor para se alimentar durante o período de trabalho. O valor padrão é de R$ 910,08.
- Auxílio-natalidade: benefício devido aos servidores por motivo de nascimento de filho. O valor padrão é de R$ 659,25.
- Conversão de licença prêmio em pecúnia: o servidor público tem direito a três meses de descanso, a título de licença prêmio, a cada cinco anos efetivamente trabalhados. Desde 2017, procuradores podem converter esses dias de folga em dinheiro, com valores calculados de acordo com a remuneração.
- Indenização de férias: pagamento sobre períodos de férias não gozados pelos servidores.
Política - O Estado de S. Paulo