Juízes ganharam o trombone, agora falta o sopro
A demolição da marquise do foro privilegiado deu um poder insondável aos “juízes de piso”, como são chamados no Supremo os magistrados da primeira instância do Judiciário. Gilmar Mendes disse que deixar os processos que envolvem os poderosos da República “com essa gente” é um equívoco. “Vai dar errado”, sentenciou o supremo magistrado.Não espanta que Gilmar Mendes seja incapaz de enxergar competência na primeira instância. Por vezes, o ministro passa a impressão de que, se pudesse, mandaria prender juízes como Sergio Moro, Marcelo Bretas e Vallisney de Souza. Surpresa mesmo haverá se os juízes de piso forem incapazes de demonstrar uma eficiência à altura do desafio.
Os processos começaram a escoar do Supremo para o primeiro grau. Dias Toffoli enviou os primeiros sete. Edson Fachin despachou um. Alexandre de Moraes mandou descer mais meia dúzia, entre eles os autos de uma ação penal envolvendo o grão-duque do tucanato Aécio Neves, amigo de Gilmar Mendes. ''Essa gente'' da primeira instância tem uma rara oportunidade para demonstrar que é parte da solução, não do problema. A conjuntura ofereceu aos juízes o trombone. Agora só falta o sopro.
Caso Geddel é exemplo de rigor da 1ª instância
Os
críticos da eliminação parcial do foro privilegiado sustentam que a
transferência de processos do Supremo para a primeira instância do Judiciário
resultará em desastre. O ministro Gilmar Mendes soou categórico: “Vai dar
errado.” O caso que envolve o ex-ministro Geddel Vieira Lima demonstra pode
suceder o contrário. O inquérito fez o caminho inverso. Subiu do primeiro grau
para a Suprema Corte.
Graças ao
rigores do juiz Vallisney de Souza, da 10ª Vara Federal de Brasília, os autos
chegaram ao Supremo bem fornidos. Ao julgar a denúncia da Procuradoria, a
Segunda Turma da Corte se deparou com 51 milhões de motivos para enviar Geddel
e seus cúmplices para o banco dos réus. Decisão unânime dos cinco
ministros da turma —entre eles o cético Gilmar Mendes. Amparado
por um trabalho eficiente da Procuradoria e da Polícia Federal, o juiz
Vallisney ordenou a operação de busca e apreensão que resultou no estouro do
bunker em que Geddel entesourava R$ 51 milhões. Cabe perguntar: Gilmar
autorizaria a batida policial? Detectaram-se digitais de Geddel nas cédulas. É
a chamada prova irrefutável. No português do asfalto: “Batom na cueca.”
Pela mesa
de Vallisney passam processos referentes a algumas das principais operações
anticorrupção em curso no país. Entre elas a Lava Jato e a Cui Bono, que fisgou
Geddel. O magistrado já foi chamado pelo multi-investigado Renan Calheiros de
“juizeco”. Vindo de quem veio, a referência merece descer à biografia do
ofendido como um galardão.
Cioso de
suas atribuições, Vallisney remeteu o caso dos R$ 51 milhões ao Supremo porque
a investigação resvalou no deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), irmão de
Geddel. Deu-se em 13 de setembro de 2017 (leia aqui a íntegra do
despacho). Decorridos oito meses, a Segunda Turma pôs a ação penal para andar.
Há tempos não se via uma unanimidade nesse colegiado. Conhecida
como ‘Jardim do Éden’, a ‘Segundona’ do Supremo costuma liberar presos da
tranca. No caso de Geddel, encarcerado por ordem de Vallisney, os cinco
ministros preferiram manter a porta da cela fechada. O caso demonstra que, se
quiser, um ''juizeco'' de primeira instância também pode ser supremo.