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domingo, 22 de março de 2020

Licença para o horror - Folha de S. Paulo

 Janio de Freitas


A cota de responsabilidade de Jair Bolsonaro pelas consequências da pandemia, no Brasil, vai muito além do atraso imposto por suas suposições idiotas —“muita fantasia sobre coronavírus”, “muita histeria”— às medidas administrativas urgentes. Ainda hoje muito distantes das necessárias. É uma responsabilidade construída, a desse maior irresponsável entre os irresponsáveis.

Bolsonaro inaugurou seu desgoverno com a devastação do Programa Mais Médicos. Por fanatismo ideológico e com uso de falsidades, sustou um sistema de medicina comunitária que, desenvolvendo-se, agora dotaria o desprovido interiorzão e a pobreza urbana de uma rede de combate aos horrores ali possíveis, e mesmo previstos com autoridade. [Uma das medidas mais adequadas que Bolsonaro adotou e que Judiciário e Legislativo não atrapalharam, foi exatamente o 'mais médicos', não tanto pela pouco valia do programa e sim por devastar um programa de escravidão oficial implantado pela ditadura cubana.
Os médicos, verdadeiros escravos de jaleco branco, vinha da ilha de Castro, ganhavam aqui algum dinheiro - uma fortuna comparada com o que ganhariam na ilha, quando ganhavam - e a parte maior do 'salário' era paga pelo governo lulopetista diretamente ao governo cubano, cabendo aos verdadeiros donos do salário, menos de um terço.
Para completar a exploração os familiares dos médicos cubanos ficavam na ilha como fiadores do bom comportamento dos escravos de jaleco branco.
Uma escorregada na conduta seria, dependendo unicamente da vontade do ditador cubano, punida com severidade, só restando aos médicos concordar com as regras do maldito regime cubano, tudo com o aval do lulopetismo.]

A conduta dos chamados meios de comunicação nesse assunto foi deplorável, desde o início, com o tema posto na campanha eleitoral. Orientaram-se pela nacionalidade e não pelas qualidades que o programa tivesse. Foram gerais o endosso e a propagação das acusações de que o governo cubano apropriava-se de parte da remuneração dos seus médicos. Tanto que as remunerações não eram feitas aos cubanos no Brasil, mas via Cuba. A própria habilitação dos médicos, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como das melhores, foi questionada, pretendendo-se novos exames aqui. A verdade é que o convênio Brasil-Cuba foi intermediado e acompanhado pela OPAS, a Organização Pan-americana de Saúde. Mesmo com os médicos cubanos já em atividade, a OPAS continuou em seu papel de instância superior nas operações.

As verbas de remuneração foram mandadas a Cuba, via OPAS, para assegurar a destinação parcial ao sustento das famílias dos médicos, como se eles estivessem em seu país; e, quando era o caso, para as reposições do financiamento à sua formação, como em tantos países.
[as reposições do financiamento consumiam praticamente tudo, sem um pio dos médicos, afinal o governo cubano seria implacável na punição aos fiadores do silêncio dos médico explorados.]

Nada disso era segredo aqui. E, em dúvida, bastaria consultar o convênio ou a OPAS. Mesmo a exclusão dos cubanos, e apesar do êxito do programa por ninguém negado, teve tratamento passivo ou de apoio. Até grotescos no passionalismo ideológico, como o de um comentarista que martela seus serviços todos os dias em jornal, em rádio e na TV: “É muito fácil substituir os médicos cubanos”. Nesse dia comecei a ler, curioso, para logo descobrir que a fórmula eufórica da facilidade não era mais do que a convocação de brasileiros.

Ora, o Mais Médicos e a inclusão de estrangeiros vieram solucionar a recusa dos brasileiros a exercer a medicina onde menos era, e voltou a ser, alcançável. Neste março, dia 11, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde (?!), lançou mais um de sucessivos editais para preencher o Mais Médicos. Nos anteriores, sempre a repetição: muitas inscrições, redução grande na hora das apresentações e abandono do serviço médico em pouquíssimo tempo, com volta à cidade de origem. A etapa bem-sucedida do Mais Médicos deixou histórias extraordinárias, que se perdem nas memórias dos personagens. Não daquelas dezenas de milhares, se não centenas de milhares, que nunca haviam tido um atendimento médico. E talvez nunca mais tenham. Milhares, sem sequer tempo para sabê-lo: a Licença para o horror cresce pavorosamente em lugares roubados do médico que a reduzira ou eliminara.  Há condutas de governantes que não figuram nos Códigos Penais, mas têm tudo de crimes. Crimes contra a humanidade.

TRÊS EM UM
A reação do embaixador chinês, Yang Wanming, ao insulto de Eduardo Bolsonaro a seu governo e seu povo nada teve do desregramento que lhe está atribuído pela bajulice brasileira. Foi até comedida e elegante, comparada à gratuidade e boçalidade do agressor. O general-vice Hamilton Mourão saiu do silêncio a que Bolsonaro o recolheu, com fantasiosa comissão amazônica, para dizer que a repercussão diplomática e pública do choque foi “só por causa do sobrenome, ele não representa o governo”. [Nenhuma novidade - só os inimigos do Brasil, os adeptos do quanto pior, melhor' é que são estúpidos o bastante para achar que Eduardo Bolsonaro representa o governo.
Ele é apenas um parlamentar brasileiro, o mais votado da história do Brasil - fato que não o credencia para falar em nome do governo brasileiro.]

O sobrenome, porém, não é só o da paternidade. É o de uma das três principais influências sobre o dependente pai, sendo as duas outras também de filhos. A representação de Eduardo não vem de posto, mas de presença ativa na orientação da Presidência e superior à de todos os generais dados como influentes. Tanto Eduardo representa o governo e a Presidência, que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu-lhe pronta aprovação. E os outros Bolsonaros subscreveram o falante com o silêncio. [o apresentado como sentença, acima destacado, representa apenas interpretação parcial do ilustre articulista.]


Jânio de Freitas, jornalista - O Estado de S. Paulo