Nota de Olavo de Carvalho:
Dos saudosistas do maio de 1968, que o vêem como um momento
memorável na história da liberdade e dos direitos humanos, não há UM SÓ
que se lembre do ponto essencial: o símbolo unificador daquela porcaria
era o Livrinho Vermelho dos Pensamentos do Presidente Mao e sua
inspiração imediata a Revolução Cultural Chinesa, iniciada dois anos
antes, em que o governo de Pequim usava massas de jovens “enragés” como
tropa de choque para perseguir, humilhar, torturar e matar milhares de
adversários do regime. (Publicada no Diário Filosófico em 6 de janeiro.)
Em
1968, uma publicação da Guarda Vermelha instruiu os cientistas a
seguirem a determinação de Mao Zedong: “Seja resoluto, não tema
sacrifícios e supere todas as dificuldades para conquistar a vitória”.
Sem a orientação do grande líder, o conhecimento especializado não era
válido e poderia ser perigosamente enganador. Exemplos de ciência
revolucionária abundavam na época. Em um relato, um soldado que treinava
para ser um veterinário achava difícil castrar porcos. Estudar as
palavras de Mao permitiu-lhe superar essa reação egoísta e deu-lhe
coragem para realizar a tarefa. Em outro conto inspirador, os
pensamentos de Mao inspiraram um novo método para proteger as plantações
do mau tempo: ao fazerem foguetes e dispara-los no céu, os camponeses
conseguiram dispersar as nuvens e evitar as tempestades de granizo.
Quando a
publicação da Guarda Vermelha apareceu, o Pequeno Livro Vermelho de Mao
foi publicado em número suficiente para fornecer uma cópia a todo
cidadão chinês em uma população de mais de 740 milhões. No auge de sua
popularidade, de meados da década de 1960 até meados da década de 1970,
foi o livro mais impresso do mundo. Nos anos entre 1966 e 1971, mais de
um bilhão de cópias da versão oficial foram publicadas e as traduções
foram emitidas em três dúzias de idiomas. Houve muitas reimpressões
locais, edições ilícitas e traduções não autorizadas. Embora não seja
possível estimar números exatos, o texto deve estar entre os mais
distribuídos em toda a história. Na opinião de Daniel Leese, um dos
colaboradores do Pequeno Livro Vermelho de Mao, o volume “perde apenas
para a Bíblia” em termos de circulação impressa.
Originalmente
o livro foi concebido para uso interno pelo exército. Em 1961, o
ministro da defesa, Lin Biao – nomeado por Mao depois que o ocupante
anterior do cargo havia sido demitido por expressar críticas sobre o
desastroso Grande Salto Para a Frente – instruiu o jornal do exército, o
PLA Daily, a publicar uma citação diária de Mao. Reunindo centenas de
trechos de seus escritos e discursos publicados e apresentando-os sob
rubricas temáticas, a primeira edição oficial foi impressa em 1964 pelo
departamento político geral do Exército Popular de Libertação no design
de vinil vermelho resistente à água que se tornaria icônico.
Com suas
palavras destinadas a serem recitadas em grupos e a interpretação
correta dos pensamentos de Mao sendo determinada pelos comissários
políticos, o livro tornou-se o que Leese descreve como “o único critério
da verdade” durante a Revolução Cultural. Depois de um período de
“guerras de citações anárquicas”, quando foi utilizado como uma arma em
uma variedade de conflitos políticos, Mao encerrou o uso descontrolado
do livro. Começando no final de 1967, a lei marcial foi imposta e o PLA
foi nomeada “a grande escola” para a sociedade chinesa. A citação ritual
do livro tornou-se comum como forma de exibir conformidade ideológica;
os clientes nas lojas intercalavam seus pedidos com citações ao fazer
suas compras. Longas penas de encarceramento foram aplicadas a qualquer
pessoa acusada de danificar ou destruir uma cópia do que se tornou um
texto sagrado.
Publicado na New Statesman.
Tradução: Cássia H.Revisão: dvgurjao
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