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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Os neomaoístas estão decididos a destruir qualquer pessoA - Revista OESTE

Brendan O'Neill, da Spiked

O fascismo cultural fugiu do controle

Os neomaoistas do século 21 estão decididos a destruir qualquer pessoa ou ideia que consideram 'problemáticas'

É o que afirma Brendan O’Neill, em artigo publicado na Edição 82 Revista Oeste
 
Imagine ter o infortúnio de passar não por uma, mas por duas revoluções culturais. Por duas vezes estar em meio a um espasmo autoritário em que jovens intolerantes com os olhos arregalados caçam pensadores “incorretos” para envergonhar e punir. Essa foi a infeliz experiência de Bright Sheng. Ele viveu a Revolução Cultural original na China de Mao Tsé-tung quando era criança, e agora, adulto, entrou na mira dos neomaoistas, que estão tumultuando as universidades americanas. Esses intolerantes da discordância estão loucos para destruir aqueles que consideram “problemáticos”, como se fossem a Guarda Vermelha da China nos anos 1960.
 
Bright Sheng | Foto: Montagem/Shutterstock
Bright Sheng | Foto: Montagem/Shutterstock

Sheng é professor de música na Universidade de Michigan — pianista e compositor de sucesso. Suas obras foram executadas por todos os grandes grupos de música clássica, da Filarmônica de Nova Iorque à Orquestra Nacional Sinfônica da China. Mas essas conquistas estelares não oferecem proteção contra a turba woke. O crime de Sheng, aos olhos deles? Ele mostrou aos alunos o filme Otelo, de Shakespeare (de 1965), em que Laurence Olivier notória — e, agora, repreensivelmente — fez uso do blackface para interpretar o mouro. Humilhem-no! Coloquem uma placa pendurada em seu pescoço! Ele errou e precisa aprender a lição.

A reação ao crime cultural de Sheng foi imediata e implacável. O motivo por que ele mostrou o filme para os alunos de graduação da sua disciplina de composição obviamente não era provocar nem ofender com a imagem de um dos atores mais famosos do século 20 usando maquiagem para fingir ter a pele negra. Não, ele estava ensinando a relação entre a composição musical e as obras de Shakespeare — uma proposta totalmente legítima e, sem dúvida, esclarecedora do ponto de vista educacional. Mas os irascíveis jovens de classe média alta do campus moderno tiveram uma opinião diferente. “Fiquei chocada”, declarou uma aluna ao Michigan Daily. Nossas aulas “deveriam ser um espaço seguro”, disse ela. No entanto, foi Laurence Olivier coberto de graxa de sapato que invadiu suas vidas protegidas e lhes deu pesadelos. O horror.

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Sheng foi atacado tanto por suas desculpas quanto por ter mostrado o filme Otelo. Como a Newsweek afirmou, de forma bastante eufemística, “a maneira como ele formulou [suas] desculpas aumentou mais a polêmica”. O que isso significa é que um bando de neomacartistas, ofendidos com a temeridade que Sheng cometeu ao se defender das insinuações de racismo, escreveu uma carta exigindo que ele fosse retirado do curso de composição. Dezoito alunos do curso de composição, 15 de pós-graduação e nove funcionários da universidade escreveram para o reitor de música exigindo que Sheng fosse removido. Segundo eles, o curso havia sido maculado pelo blackface de Laurence Olivier. Então Sheng se retirou.

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O tratamento que Sheng recebeu traz à mente outro episódio sombrio da história moderna, no qual a Guarda Vermelha, e não a “Guarda Woke“, assumiu a tarefa de punir aqueles que mantinham ideias “obsoletas”. Sheng viveu a Revolução Cultural. Nasceu em Xangai em 1955. A Guarda Vermelha confiscou o piano de sua família por considerá-lo um luxo “burguês”. Esses guerreiros maoistas roubaram do jovem Sheng os meios de tocar música; os neomaoistas da cruzada politicamente correta dos dias de hoje roubaram dele um de seus meios de ensinar música. Em ambas as situações, ele foi punido por filisteus rudes e censuradores que se recusam a tolerar quaisquer práticas ou ideias que considerem antiquadas ou “problemáticas”.

Assustadoramente, um dos alunos da Universidade do Michigan afirmou que a renúncia de Sheng era o “mínimo” que ele podia fazer. 
O que mais eles querem? 
Mandá-lo para a reeducação? 
Raspar sua cabeça e fazê-lo desfilar em praça pública? 
Pendurar uma confissão em seu pescoço, em que ele admite ter pecado contra a nova moral?

Dizem que a cultura do cancelamento não existe. Ela existe, e tem ecos sombrios da Revolução Cultural, que foi uma guerra enlouquecida contra os “Quatro Velhos” — ideias velhas, velhas culturas, velhos costumes e velhos hábitos. Da mesma forma, a “Revolução Woke de hoje deseja acabar com todas as coisas “obsoletas”, sejam estátuas de figuras históricas que tinham ideias diferentes das nossas, programas de comédia que façam piadas de mau gosto e não politicamente corretas, grandes obras da literatura que contenham termos racistas (incluindo obras expressamente antirracistas, como To Kill a Mockingbird, ou O Sol É para Todos) e qualquer um que se apegue à crença aparentemente antiquada de que existe um sexo biológico. Vamos punir e eliminar todos eles. Esse é o maoismo do século 21, e qualquer instituição de ensino ou cultural que abrace isso está assinando a própria sentença de morte. 

Leia também “Estão queimando livros no Canadá”

 Brendan O’Neill é o jornalista-chefe de política da Spiked

Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA 


sexta-feira, 15 de março de 2019

O mercado aposta em Maia e estuda Mourão

Aprovação de alguma reforma é dada como certa

Nada parece mover o inabalável otimismo no mercado financeiro em relação à aprovação de uma reforma da Previdência: nenhum vídeo obsceno postado pelo próprio presidente, nenhuma intriga alimentada por Olavo de Carvalho, nenhum tuíte inexplicável do vereador Carlos Bolsonaro, ou trapalhada do ministro da Educação. Acredita-se que há duas esferas no poder em Brasília: uma é a movida a estrondo e fúria, navegando no mundo da instantaneidade e do espetáculo e tem o próprio presidente como protagonista.

A outra é bifronte e eficaz: são protagonistas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como o mais credenciado negociador da reforma da Previdência; e o vice-presidente Hamilton Mourão. A banca não tem absoluta certeza, mas acredita que Mourão vocaliza e opera em nome de todo o grupo militar, visto como mais preparado e dotado de maior estratégia política do que Bolsonaro, sua família e seus aliados mais próximos, em um pacote que inclui o próprio ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O grupo militar seria a verdadeira espada e escudo de interesses que convergem para o mercado, frente ao qual o restante seria espuma. A contenção dos desvarios bolsonaristas em relação a Venezuela e transferência da embaixada para Israel seriam sinais eloquentes neste sentido. O ministro da Economia, Paulo Guedes, está fora da equação, e não por ser desimportante, ao contrário. Guedes não é visto ainda como um homem do mundo de Brasília, um dos beligerantes na conflagração por poder. Ele é um universo à parte, que montou uma reforma da Previdência sólida do ponto de vista fiscal, com muita gordura para negociar. Não deve, contudo, ser o condutor do processo de barganha.

A ansiedade do ministro em propor a emenda da desvinculação simultaneamente à reforma da Previdência, depois de a ter apresentado como "plano B", é vista mais como um sinal de sua inexperiência do que de sua visão tática. Do ponto de vista do curto prazo para o mercado, Rodrigo Maia é a figura-chave. É descrito como o primeiro-ministro do governo, o operador para se garantir a aprovação de algo entre 50% e 80% da meta de Guedes em relação à reforma. No pacote a ser tocado por Maia no Congresso ainda estão a nova política em relação ao salário mínimo, com evidente impacto fiscal, e o represamento de aumentos para o funcionalismo dos três Poderes.

Quem busca estudar Mourão no mercado está preocupado com o longo prazo. Ele é visto, no mínimo, como um possível presidenciável em 2022, ao lado de outros nomes como o de Bolsonaro, Moro, Doria e do próprio Rodrigo Maia. Em um cenário extremo, como uma alternativa ao atual presidente antes do fim do mandato. Os exemplos da década deixaram o sistema financeiro atento em relação a eventuais pontes para o futuro. Um dos pontos que chamaram a atenção no vice é a sua transformação, como se Mourão buscasse estabelecer alguma espécie de contraste em relação ao titular do cargo. Durante a campanha eleitoral, sobretudo no período que precedeu a facada de Juiz de Fora, não foi o que se viu: Mourão fez declarações de caráter antidemocrático e que denotavam preconceito racial. Atrapalharam e muito a campanha de Bolsonaro. A questão que cabe no momento é qual o motivo para existir agora um vice que é a voz do bom senso, um comentarista permanente de todos os fatos que tenham relação direta ou remotíssima com o governo.

Supremo
Há um autoritarismo de baixo para cima, um clima de revolução cultural maoísta alimentado pelas redes sociais no Brasil, mas com o sinal trocado. Na China dos anos 60 eram colados em muros pela Guarda Vermelha, os 'dazibaos', onde a elite intelectual e administrativa do País era acusada de traição ao grande timoneiro. A instabilidade era permanente, dado o macartismo às avessas em que qualquer um acusava quem quer que fosse de qualquer coisa, sem blindagem possível.

Em baixa sempre estão a tolerância, o respeito às instituições como mecanismo de solução de controvérsias, a mediação política, a veiculação da informação com responsabilidade. Por mais mesquinhas que sejam suas motivações, não é possível dissociar deste quadro a iniciativa do presidente do STF, Dias Toffoli de instaurar uma investigação de ofício sobre 'fake news' contra os ministros do Supremo.

À parte tudo isso, é preciso ponderar sobre a gravidade da decisão de ontem da Corte, que tornou crimes comuns passíveis de serem julgados pela Justiça Eleitoral. É claro que abriu-se uma porta para se afrouxar o combate à relação espúria que se estabeleceu entre políticos e o empresariado. Talvez seja precipitado cravar que a decisão signifique o fim de uma era, como festejam petistas e deploram os protagonistas da Operação, mas o sentido da decisão é incontroverso. Não há dúvida sobre a colocação de um limite crucial no poder do Ministério Público, a três dias do quinto aniversário do começo da Operação. Travou-se ontem uma disputa de poder, como mencionou Gilmar Mendes.

A indignação das redes sociais contra um STF que poda a Lava-Jato torna-se um catalisador para reações em cadeia. No âmbito do Congresso, a movimentação começou pelo Senado. Conforme registrou Cristiane Agostine e Carolina Freitas no Valor Pro, o líder do PSL na Casa, Major Olímpio, apresentou um projeto de lei para retirar da Justiça Eleitoral o julgamento de crime comum. Outro senador, Alessandro Vieira (PPS-SE), articula uma CPI "Lava Toga". Um terceiro, Lasier Martins (PSD-RS), emprestou o gabinete ontem para o advogado Modesto Carvalhosa protocolar mais um pedido de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes. 
 
O Judiciário terá que resistir a uma ofensiva muito mais consistente do que qualquer quartelada que envolva um cabo e um soldado.
 
 César Felício - Valor Econômico

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Como o Ocidente adotou o Pequeno Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung

Nota de Olavo de Carvalho: Dos saudosistas do maio de 1968, que o vêem como um momento memorável na história da liberdade e dos direitos humanos, não há UM SÓ que se lembre do ponto essencial: o símbolo unificador daquela porcaria era o Livrinho Vermelho dos Pensamentos do Presidente Mao e sua inspiração imediata a Revolução Cultural Chinesa, iniciada dois anos antes, em que o governo de Pequim usava massas de jovens “enragés” como tropa de choque para perseguir, humilhar, torturar e matar milhares de adversários do regime. (Publicada no Diário Filosófico em 6 de janeiro.)

Em 1968, uma publicação da Guarda Vermelha instruiu os cientistas a seguirem a determinação de Mao Zedong: “Seja resoluto, não tema sacrifícios e supere todas as dificuldades para conquistar a vitória”. Sem a orientação do grande líder, o conhecimento especializado não era válido e poderia ser perigosamente enganador. Exemplos de ciência revolucionária abundavam na época. Em um relato, um soldado que treinava para ser um veterinário achava difícil castrar porcos. Estudar as palavras de Mao permitiu-lhe superar essa reação egoísta e deu-lhe coragem para realizar a tarefa. Em outro conto inspirador, os pensamentos de Mao inspiraram um novo método para proteger as plantações do mau tempo: ao fazerem foguetes e dispara-los no céu, os camponeses conseguiram dispersar as nuvens e evitar as tempestades de granizo.

Quando a publicação da Guarda Vermelha apareceu, o Pequeno Livro Vermelho de Mao foi publicado em número suficiente para fornecer uma cópia a todo cidadão chinês em uma população de mais de 740 milhões. No auge de sua popularidade, de meados da década de 1960 até meados da década de 1970, foi o livro mais impresso do mundo. Nos anos entre 1966 e 1971, mais de um bilhão de cópias da versão oficial foram publicadas e as traduções foram emitidas em três dúzias de idiomas. Houve muitas reimpressões locais, edições ilícitas e traduções não autorizadas. Embora não seja possível estimar números exatos, o texto deve estar entre os mais distribuídos em toda a história. Na opinião de Daniel Leese, um dos colaboradores do Pequeno Livro Vermelho de Mao, o volume perde apenas para a Bíblia” em termos de circulação impressa.

Originalmente o livro foi concebido para uso interno pelo exército. Em 1961, o ministro da defesa, Lin Biao – nomeado por Mao depois que o ocupante anterior do cargo havia sido demitido por expressar críticas sobre o desastroso Grande Salto Para a Frente – instruiu o jornal do exército, o PLA Daily, a publicar uma citação diária de Mao. Reunindo centenas de trechos de seus escritos e discursos publicados e apresentando-os sob rubricas temáticas, a primeira edição oficial foi impressa em 1964 pelo departamento político geral do Exército Popular de Libertação no design de vinil vermelho resistente à água que se tornaria icônico.

Com suas palavras destinadas a serem recitadas em grupos e a interpretação correta dos pensamentos de Mao sendo determinada pelos comissários políticos, o livro tornou-se o que Leese descreve como “o único critério da verdade” durante a Revolução Cultural. Depois de um período de “guerras de citações anárquicas”, quando foi utilizado como uma arma em uma variedade de conflitos políticos, Mao encerrou o uso descontrolado do livro. Começando no final de 1967, a lei marcial foi imposta e o PLA foi nomeada “a grande escola” para a sociedade chinesa. A citação ritual do livro tornou-se comum como forma de exibir conformidade ideológica; os clientes nas lojas intercalavam seus pedidos com citações ao fazer suas compras. Longas penas de encarceramento foram aplicadas a qualquer pessoa acusada de danificar ou destruir uma cópia do que se tornou um texto sagrado.


Publicado na New Statesman.
Tradução: Cássia H.
Revisão: dvgurjao
http://tradutoresdedireita.org


MATÉRIA COMPLETA em  Editorial MSM