Thaméa Danelon
No dia 23 de agosto de 2022, o ministro do STF Alexandre de Moraes
determinou a realização de buscas e apreensões contra oito empresários,
sob argumento de que eles estariam tramando um golpe de Estado.
Conforme divulgado pela imprensa,
esses empresários discutiam política em um grupo de Whatsapp,
e trocaram algumas mensagens como as seguintes:
“Prefiro golpe do que a
volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de
fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo
mundo”; “Quero ver se o STE (sic) tem coragem de fraudar as
eleições após um desfile militar na Av. Atlântica com as tropas
aplaudidas pelo público”;
“O 7 de setembro está sendo programado para
unir o povo e o exercito (sic) e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o exercito (sic) está. Estrategia (sic)
top e o palco será o Rio A cidade ícone brasileira no exterior. Vai
deixar muito claro”;
“Golpe foi soltar o presidiário!!! Golpe é o
‘supremo’ agir fora da constituição! Golpe é a velha mídia só falar
merda”.
As mensagens
privadas que foram divulgadas na imprensa tratam-se apenas de opiniões
políticas, tuteladas pela liberdade de expressão e livre manifestação de
pensamento, direitos esses protegidos pela Constituição Federal.
Por
conta dessas e outras mensagens, o ministro relator determinou buscas e
apreensões nos endereços dos seguintes empresários 1) Luciano Hang
(Lojas Havan); 2) Afrânio Barreira Filho (Restaurante Coco Bambu); 3)
José Isaac Peres (Rede Multiplan); 4) Marco Autelio Raymundo (Mormaii);
5) Meyer Joseph Nigri (Tecnisa); 6) Ivan Wrober (W3 Engenharia); 7) José
Koury (Barra World Shopping); 8) Luiz André Tissot (Grupo Sierra).
Foi ordenada a apreensão dos celulares e computadores dos empresários, e também a quebra do sigilo bancário dos mesmos.
Luciano Hang teve todas as suas redes sociais bloqueadas, inclusive seu perfil no
Instagram
que contava com mais de 5 milhões de seguidores. Entretanto,
na minha
visão técnica e jurídica essa operação apresenta várias inconsistências
legais.
Em primeiro lugar esses empresários não possuem foro privilegiado perante o STF,
logo
, a investigação deveria tramitar perante um juiz de 1ª Instância.
Além disso,
essas conversas privadas não poderiam ser utilizadas, pois
violam o direito à intimidade previsto na Constituição,
e o próprio STJ já decidiu que “prints” de conversas por aplicativo não podem ser usadas como provas.
Outra
inconsistência é que essa investigação ocorreu no Inquérito das
Milícias Digitais, apuração aberta de ofício (sem pedido da Polícia ou
do MP), fato que viola o nosso Sistema Acusatório.
E o
ministro Alexandre de Moraes
seria uma suposta vítima, logo,
estaria impedido de atuar nesse
processo, de acordo com o Código de Processo Penal.
Outro ponto
extremamente relevante é o seguinte: os
crimes contra o Estado
Democrático de Direito pressupõem uma violência ou grave ameaça,
entretanto,
não se tem notícia que esses senhores de 60, 70 e 80 anos de
idade tenham empregado violência ou grave ameaça contra o exercício de
qualquer dos poderes da República.
Do mesmo modo
foi irregular a ausência de parecer do PGR sobre a diligência de busca de apreensão,
pois o membro do Ministério Público
deve ser ouvido antes do Juiz decretar qualquer diligência ostensiva.
Também não se justifica o bloqueio das redes sociais do empresário Luciano Hang,
pois não há evidências que seus perfis tenham conteúdo ilícito. Ademais, o bloqueio das contas bancárias dos empresários seria
desproporcional, e não se prestaria a apurar o “suposto crime cometido
pela palavra escrita”, pois a análise dos extratos bancários não será
necessária para provar o “suposto crime” dos investigados.
Outra
violação ao princípio da ampla defesa seria a não entrega aos advogados de
cópia da decisão que determinou as diligências, uma vez que os investigados e
sua defesa devem ter conhecimento dos eventuais crimes pelos quais estão sendo
investigados, e também das provas que embasaram as buscas e apreensões. Ressalte-se
que até o momento, segundo foi divulgado, a PGR não teve acesso aos autos e nem
da decisão judicial.
Por fim, verifica-se que as
mensagens privadas que foram divulgadas na imprensa tratam-se apenas de
opiniões políticas, tuteladas pela liberdade de expressão e livre
manifestação de pensamento, direitos esses protegidos pela Constituição
Federal, e não configuram a prática de qualquer crime. Diante deste
caso, imprescindível que os demais membros da nossa Suprema Corte se
manifestem para que seja publicizada a opinião jurídica dos integrantes
do STF sobre a investigação em análise.