O texto — iniciativa de
Dandara Ferreira, filha do ministro Juca Ferreira (Cultura), e de Luiz Carlos
Barreto — abusa do direito de dizer bobagens
Ai, ai…
Profissionais de cinema — diretores, atores, roteiristas,
distribuidores etc. — lançaram um manifesto contra o impeachment da presidente
Dilma. Quem encabeça a iniciativa é Dandara Ferreira, filha de Juca Ferreira,
ministro da Cultura, e Luiz Carlos Barreto, produtor conhecido, inclusive por
seu governismo. Se Dandara é alguma coisa além de filha de seu pai, ignoro.
Consta que é cineasta. Foi ela que dirigiu aquele filme, o… O…. Como é mesmo?
O manifesto, que segue abaixo, com alguns comentários meus, está
na Internet e já tem mais de 2 mil assinaturas. Como haverá impeachment, não sei o que essa gente pretende fazer
em seguida. Recomendo uma greve geral. Seria uma comoção em algumas coberturas
da Zona Sul do Rio e da Vila Nova Conceição, em São Paulo. Sem a autorização
para captar recursos pela Lei Rouanet, cairia drasticamente o consumo de
champanhe e caviar nesses dois redutos da esquerda intelectual brasileira.
Imagino o trauma que não seria para os brasileiros, em especial os
mais pobres, que recebem Bolsa Família, se essa gente toda parar de trabalhar.
Fico cá me perguntando por que o sujeito acha que pertencer a uma categoria — e
o manifesto fala em nome de um setor — lhe confere um lugar especial de fala
para opinar com mais qualidade do que o cidadão comum — aquele que vaiou Dilma
no estádio, por exemplo (trato do assunto em outro post).
Segue o manifesto em vermelho. Comento em azul.
Nós, cineastas, roteiristas, atores, produtores, distribuidores e
técnicos do audiovisual brasileiro, nos manifestamos para defender a democracia
ameaçada pela tentativa de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Entendemos
que nossa jovem democracia, duramente reconquistada após a ditadura militar, é
o maior patrimônio de nossa sociedade.
O impeachment não pode ameaçar a democracia porque é elemento
constitutivo do regime. Como está previsto na Constituição e na Lei 1.079,
integra o conjunto de recursos de que dispõe o Estado de Direito para afastar
um governante que tenha cometido crime de responsabilidade, crime comum ou que
tenha atentado contra a probidade. O primeiro presidente eleito depois da
ditadura militar foi deposto por impeachment, e ninguém se lembrou dos riscos
que a “nossa jovem democracia” corria. E não havia mesmo risco nenhum.
Sem ela, não teríamos obtido os avanços sociais, econômicos e
culturais das últimas décadas. Sem ela, não haveria liberdade para expressarmos
nossas distintas convicções, pensamentos e ideologias. Sem ela, não poderíamos
denunciar o muito que falta para o país ser uma nação socialmente mais justa. Por
isso, nos colocamos em alerta diante do grave momento que ora atravessamos,
pois só a democracia plena garante a liberdade sem a qual nenhum povo pode se
desenvolver e construir um mundo melhor.
Retórica
balofa a serviço do nada. Parte dos avanços sociais nos últimos anos, ora
vejam, se deveu justamente ao impeachment de Collor, que criou as
circunstâncias que permitiram a implementação do Plano Real. O que vai acima
poderia ser só ignorância, mas é mais do que isso: trata-se mesmo de má-fé.
Quem está a ameaçar a democracia? Seria o livre funcionamento do Congresso? O
exercício pleno das prerrogativas do Judiciário?
Como nutrimos diferentes preferências políticas ou partidárias, o
que nos une aqui é a defesa da democracia e da legalidade, que deve ser igual
para todos. Somos frontalmente contra qualquer forma de corrupção e aplaudimos
o esforço para eliminar práticas corruptas em todos os níveis das relações
profissionais, empresariais e pessoais.
Huuummm… “Nutrir diferenças”, é? Eis por que o cinema brasileiro,
em regra, é uma porcaria. Gente que “nutre diferenças” deveria levar umas
chicotadas da professora de estilo. Mas vá lá: exibam aí a pluralidade! Quantos
da lista são simpatizantes do PSDB, do PMDB, do DEM… Também me comove saber que
os signatários são “frontalmente contra qualquer forma de corrupção”. Quando
isso precisa ser anunciado num manifesto, convenham, é porque há motivos de
sobra para a dúvida.
Nesse sentido, denunciamos aqui o risco iminente da interrupção da
ordem democrática pela imposição de um impeachment sem base jurídica e provas
concretas, levado a cabo por um Congresso contaminado por políticos
comprovadamente corruptos ou sob forte suspeição, a começar pelo presidente da
casa, o deputado federal Eduardo Cunha.
Não entendi ali o que quer dizer “nesse sentido”. Em qual sentido?
Quem disse que o impeachment não tem base jurídica? Eu queria debater a Lei
1.079 com a Dandara, a diretora do… do… Como é mesmo? Ou com o Barretão.
Um texto que diz defender a democracia e que afirma que o Congresso
“leva a cabo” o impeachment só pode ser obra de energúmenos. A denúncia foi
oferecida por entes da sociedade civil, e o Legislativo é o Poder que a recebe.
Então o Congresso está contaminado por políticos “comprovadamente corruptos”,
mas o Executivo é limpo? Justo o Executivo, que fez os negócios, que nomeou os
larápios e que negociou com os “políticos corruptos”?
Vão estudar! Eduardo Cunha é presidente da Câmara, que é só uma das
“Casas” do Congresso. A outra “Casa” também é presidida por um investigado:
Renan Calheiros. Enquanto eram aliados do PT, a Dandara, o Barretão e trupe de
signatários ignorantes não se preocuparam com a sua moralidade.
Manifestamos a nossa indignação diante das arbitrariedades
promovidas por setores da Justiça, dos quais espera-se equilíbrio e
apartidarismo.
Corrigindo a
gramática dos brutos: “dos quais se esperam”!!! A propósito: qual é a evidência
de “partidarismo” da Lava Jato? Talvez haja uma: há muito tempo Lula já deveria
ser réu. Ele está sendo protegido. Se a Dandara quiser saber mais, é só
pesquisar no blog.
Da mesma forma, expressamos indignação diante de meios de
comunicação que fomentam o açodamento ideológico e criminalizam a política.
Estas atitudes colocam em xeque a convivência, o respeito à diferença e a paz social.
Grandes
democratas! Já se indignaram com o Congresso, com a Polícia Federal, com o
Ministério Público e, agora, com “os meios de comunicação”. O que mais me
encanta nesse texto é o tom supostamente elevado do adesismo. Como se nota, por
contraste, há um governo que é fonte do bem e da legitimidade, acuado por esses
entes que ameaçam a democracia. Que gente asquerosa!
Repudiamos a deturpação das funções do Ministério Público, com a
violação sistemática de garantias individuais, prisões preventivas, conduções
coercitivas, delações premiadas forçadas, grampos e vazamentos de conversas
íntimas, reconhecidas como ilegais por membros do próprio STF. Repudiamos a
contaminação da justiça pela política, quando esta desequilibra sua balança a
favor de partidos ou interesses de classes ou grupos sociais.
Bem, os signatários ficam obrigados agora a exibir exemplos de cada
uma das acusações que fazem. Mais: deveriam dizer por que decidiram se
manifestar apenas quando a investigação chegou a Lula. Por que não redigiram
manifestos quando os empreiteiros foram presos? Não sejam hipócritas!
Daqui a pouco, esses valentes vão se dizer construtores de
narrativas. Pois é… Vai ver é por isso que o cinema brasileiro, com uma exceção
ou outra, é tão ruim. Os narradores são picaretas. Uma conversa “vaza” quando
passa a circular ao arrepio da Justiça. No caso, não houve vazamento, mas
quebra do sigilo da investigação.
Quais “partidos” e “interesses de classe ou grupos sociais” estão
sendo privilegiados pela Lava Jato? Ora, fazer essa acusação num manifesto que
é divulgado em nome de um “grupo” expõe a honestidade intelectual dos
formuladores e dos signatários.
Nos posicionamos firmemente a favor do estado de direito e do
respeito à Constituição Brasileira de 1988. Somos contrários à irracionalidade,
ao ódio de classe e à intolerância.
Quem se diz favorável à Constituição e afirma que impeachment é
ruptura da ordem democrática é só um idiota que não sabe o que diz ou um
oportunista que está defendendo interesses contrariados. Vão ler os Artigos 85
e 86, ora!
Como construtores de narrativas, estamos atentos à manipulação de
notícias e irresponsável divulgação de escutas ilegais pelos concessionários
das redes de comunicação.
Façam o
seguinte: tenham a coragem e rompam com os “concessionários”. Os que forem funcionários
das emissoras de TV que cumprem o seu papel — noticiar o que apuram — peçam
demissão na segunda-feira. Não aceitem ganhar o pão de cada dia em empresas que
tanto mal fazem ao Brasil. Pode não parecer, mas o que vai acima é uma defesa
velada da censura, acompanhada da sugestão de que o estado deveria punir as
emissoras de rádio e televisão. Vocês são, sim, construtores de narrativas. Em
regra, são tão ruins como esse manifesto ignorante e vigarista.
Televisões, revistas e jornais, formadores de opinião, criaram uma
obra distorcida, colaborando para aumentar a crise que o país atravessa,
insuflando a sociedade e alimentando a ideia do impeachment com o objetivo de
devolver o poder a seus aliados. Tal agenda envolve desqualificar as empresas
nacionais estratégicas, entre as quais se insere a emergente indústria do
audiovisual.
Hein? Até onde se sabe, a “emergente indústria do audiovisual” vive
uma relação simbiótica com aqueles outros meios, muito especialmente a
televisão.
Qual é a distorção “da obra”? Porque esses notáveis narradores não
nos dizem, então, qual é a história verdadeira, já que seria falsa a que anda
por aí?
Por todos esses motivos, nos sentimos no dever de denunciar essa
enganosa narrativa e de alertar nossos pares do audiovisual em outros países
sobre este assombroso momento que vivemos.
É realmente assombroso que um bando de gente do nariz marrom,
dependente do dinheiro público; que vive pendurada em subsídios e leis de
incentivo; que responde por uma produção mixuruca, incapaz de emular mesmo com
a de países latino-americanos bem mais pobres, é realmente assombroso que essa
pelegada se arvore em dona da verdade e fale besteiras em penca sobre
Constituição, leis, Justiça e política. São o que são: esbirros de um partido
político e beneficiários de mamatas. Entendo a tristeza: fecharam a torneira da
Petrobras, a maior financiadora de narrativas picaretas do Ocidente. Uma
informação aos bacanas: não foi a Lava Jato que quebrou a estatal. Foi a Dilma.
Usaremos todos os instrumentos legais à nossa disposição para
impedir um retrocesso em nossa frágil democracia.
Frágil uma ova! E, bem, façam isto mesmo: usem os instrumentos
legais. Sempre lembrando que o manifesto põe a Justiça em descrédito. Esses
artistas de esquerda ainda acham que podem ser donos da opinião pública. Não se
deram conta de que o país mudou e de que essa gritaria não intimida mais
ninguém. Não se esqueçam, signatários! Façam greve geral contra o impeachment.
A qualidade média do cinema certamente vai melhorar.
Fonte: Revista VEJA - Blog do Reinaldo Azevedo