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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Seis gravações escancaram a conspiração forjada pelo PT para impedir que fosse esclarecido o assassinato de Celso Daniel



Há uma semana, a reportagem de capa de VEJA expôs o estreito parentesco que vincula o Petrolão, o Mensalão e o assassinato de Celso Daniel, alvo da 27ª fase da Lava Jato, batizada de Carbono 14. Os três escândalos pertencem à mesma linhagem político-policial. Foram praticados pelo mesmo clã. Somados, demonstram que a transformação do PT em organização fora da lei, pronta para submeter a máquina federal a seus desígnios e eternizar-se no poder, começou a definir-se em janeiro de 2002.

O acervo de provas materiais das delinquências que balizaram o caminho da perdição é tão portentoso que milhões de brasileiros ainda não foram devidamente apresentados a preciosidades descobertas no início do século. Uma delas é o lote de áudios que registram conversas de altíssimo teor explosivo gravadas por investigadores da Polícia Federal incumbidos de esclarecer o assassinato de Celso Daniel. Esse grampo é avô do que mostra as safadezas tramadas por Lula e seus devotos, divulgado pelo juiz Sérgio Moro.

Se fosse só prefeito, Celso Daniel já teria brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Uma das maiores cidades do país, Santo André é a primeira letra do ABC, berço político de Lula e do partido. Mas em janeiro de 2002 ele já cruzara as fronteiras da administração municipal para coordenar a montagem do programa de governo de Lula, novamente candidato à Presidência. Quando foi sequestrado numa esquina de São Paulo, Celso Daniel ocupava o mesmo cargo que transformaria Antônio Palocci em ministro da Fazenda.

Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros assim que o corpo foi encontrado numa estrada de terra perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Aloízio Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no visual. O olhar colérico, o figurino de quem não tivera tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, o choro dos órfãos de pai e mãe, os cabelos cuidadosamente desalinhados – os sinais de sofrimento se acotovelavam da cabeça aos sapatos.

Até então, a única versão na praça se amparava no que tinha contado o empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel. Segundo o relato, os dois voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando o carro blindado foi interceptado numa esquina por bandidos que, estranhamente, levaram só o prefeito e nem tocaram na testemunha. O depoimento de Sombra pareceu tão verossímil quanto uma nevasca no Nordeste. Mas a comissão de frente monitorada por Lula não tinha tempo a perder com possíveis contradições no samba-enredo.  

Embora mal ajambrada, a letra não destoava do refrão que, naquele momento, interessava ao PT: Celso Daniel fora assassinado por motivos políticos. Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes do partido.  Toninho do PT, prefeito de Campinas, fora abatido a tiros em setembro de 2001. Celso Daniel era a segunda vítima. Grávido de ira com a reprise da tragédia, Greenhalgh acusou o presidente Fernando Henrique Cardoso de ter ignorado os apelos para que adotasse meia dúzia de medidas preventivas.

Em pouco tempo, a polícia paulista prendeu alguns prontuários ambulantes, que assumiram a autoria do assassinato, e deu o caso por encerrado. Paradoxalmente, o PT endossou sem ressalvas a tese do crime comum. A família de Celso Daniel discordou do desfecho conveniente. O Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando a história muito mal contada. Logo emergiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim. Só que os bandidos eram ligados ao PT.

Ainda no início do último mandato de Celso Daniel, empresários da área de transportes e pelo menos um secretário municipal haviam concebido, com a concordância da autorização do prefeito, o embrião  do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com a descoberta do Mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Em 2001, ao constatar que os quadrilheiros estavam embolsando boa parte do dinheiro, Celso Daniel avisou que denunciaria a irregularidade ao comando do partido. Foi para tratar desse assunto que Sombra, um dos pecadores, convidou o prefeito para um jantar em São Paulo.

Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF encarregados de esclarecer o assassinato gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, Ivone Santana, namorada da vítima (que já se havia separado de Miriam Belchior), Klinger Luiz de Oliveira, secretário de Serviços Municipais, Gilberto Carvalho, secretário de Governo de Santo André, e Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato presidencial de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. A queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. Em outubro de 2005, quando cumpria a pena de prisão imposta ao juiz que prosperou como vendedor de sentenças, Rocha Mattos revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam  Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 e chefe da Secretaria Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma Rousseff . 
 “Ele comandava todas as conversas”, disse Rocha Mattos. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”. Em abril de 2011, já em liberdade, Rocha Mattos reiterou a acusação. “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHC”, afirmou. “A pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí, ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. O que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando ele descobriu isso, a situação dele ficou muito difícil. Agentes da PF manipularam as fitas de Celso Daniel. A PF fez um filtro nas fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho”.

As seis gravações escancaram a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito sequestrado, torturado e morto é um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelam a alma repulsiva do bando. Celso Daniel aparece nas gravações como um entulho a remover. Não merece uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas se dedicam em tempo integral à missão de livrar Sombra da cadeia e acalmar o parceiro que ameaça afundar atirando. Ouça as vozes dos assassinos de fatos combinando o que fazer para impedir o esclarecimento do crime hediondo. Passados mais de 14 anos, a reaparição do fantasma avisa que a tramoia fracassou. Enquanto não for exumada toda a verdade sobre esse capítulo da história universal da infâmia, todos os meliantes sobreviventes serão assombrados pelo prefeito proibido de descansar em paz.

Com a queima das provas sonoras, Rocha Mattos virou sócio do clube de magistrados para os quais uma irregularidade processual é muito mais grave que qualquer delito. Nessa escola de doutores, aprende-se que quem arromba a porta do vizinho que está matando a mãe e evita a consumação do crime deve ser preso por invasão de domicílio. Como as gravações das conversas entre Lula e seus devotos foram autorizadas pelo juiz Sérgio Moro, o ministro Teori Zavascki anda à caça de outro pretexto semelhante para declarar inexistente o palavrório que estarreceu o país.

Se seguir o exemplo do juiz ladrão, Teori não tardará a constatar que errou feioe errou para nada. Milhares, milhões de cópias em circulação nas redes sociais informam que a verdade já não pode ser destruída. Graças à escuta promovida pela Lava Jato, foi abortada uma conspiração contra o Estado de Direito comandada por Lula e apoiada por Dilma. O resto é firula bacharelesca, conversa fiada. O essencial é que há culpados a punir. O que importa é que o castigo virá.