O Estado de S.Paulo
Bolsonaro nas ruas foi forma de provocar a queda do ministro, mas
Mandetta não caiu na armadilha, e enviou poema de Drummond a sua equipe
O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para exercitar sua
birra contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que na véspera
alertou: “Se o sr. for para metrô ou ônibus em São Paulo (como chegou a
dizer em entrevista), vou ser obrigado a criticá-lo”. Ao que o
presidente rebateu: “E eu vou ter que te demitir”.
Como não havia logística para ir a São Paulo ontem, Bolsonaro decidiu
fazer o teste no Distrito Federal mesmo, indo a padarias, mercadinhos,
fazendo até fotos com criança. Evidentemente, uma forma de provocar a
queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha. A atitude do presidente foi considerada “óbvia”, um pretexto para a
exoneração – que, aliás, provocaria um efeito dominó no Ministério da
Saúde. Assim, Mandetta se recolheu, pedindo paciência à equipe com um
poema de Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho. Resta saber o
que o ministro dirá na coletiva de hoje à tarde, além de pedir desculpas
à mídia. Na guerra contra o coronavírus e a morte, ela é a sua grande
aliada.
Outra grande expectativa hoje é se Bolsonaro vai mesmo editar um decreto
para liberar todas as profissões para trabalhar em meio à pandemia ou
se foi só mais uma ideia jogada ao ar, enquanto confrontava Mandetta nas
ruas. Se não sair decreto nenhum, essa história é mais uma para a longa lista
de coisas que o presidente diz e ninguém leva a sério, nem lembra
depois. Se sair, a coisa vai ficar muito grave. Além da crise sanitária,
teremos uma crise federativa: a União contra os Estados, o presidente
contra governadores e prefeitos.
[o inverso é o que está em gestação = os Estados contra a União e governadores e prefeitos contra o Presidente.
Neste caso, o aborto é recomendado, terapêutico e privilegia a vida = um dos lados depende de recursos que estão sob controle do outro.]
Como o ministro do STF Gilmar Mendes alertou Bolsonaro no sábado, basta
que São Paulo, Rio e Minas desobedeçam uma medida legal tomada pelo
Planalto para essa medida virar pó, letra morta. Os três Estados reúnem
quase cem milhões de pessoas e os governadores João Doria (SP) e Wilson
Witzel (RJ) não parecem interessados nem em quebrar a quarentena nem em
cumprir decretos e maluquices de Bolsonaro numa hora de vida ou morte. [bons tempos aquele em que os juízes só falavam nos autos; quando instados a se manifestarem sobre temas que poderiam vir a julgar, saíam pela tangente: lembravam da necessidade do silêncio - poderiam no futuro ter que se manifestar sobre os mesmos e da máxima que juízes só falam nos autos.]
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo