Nas
conversas gravadas, em qualquer etapa da atual era de escândalos, o que
se ouve confirma o temor dos procuradores da Lava-Jato de uma união dos
políticos para interromper a operação. Ela hoje parece forte o
suficiente para acuar o presidente da República, mas ao mesmo tempo
ficou mais vulnerável às críticas pelo acordo da delação superpremiada
com Joesley Batista.
Na gravação de Sérgio Machado com o senador
Romero Jucá se falou em estancar a sangria. Na conversa entre Joesley e o
presidente, o empresário falou, diante de um Temer aquiescente, em
controlar juízes e comprar procuradores. Na conversa do senador afastado
Aécio Neves com Joesley, ou nas declarações públicas dos ex-presidentes
Lula e Dilma, a operação é xingada e tratada como inimiga. Aliás, ela é
a inimiga que une os adversários da política.
As falhas da
operação vão abrindo flancos para o fortalecimento do movimento
anti-Lava-Jato. Quando Sérgio Machado livrou-se, e aos seus filhos, de
processos, já houve um enorme desconforto. Agora há revolta. Um dos
poucos momentos em que Temer consegue atrair concordância é quando
aponta o absurdo de o empresário grampeador estar vivendo em Nova York
depois de ter passado anos enriquecendo com medidas governamentais e
empréstimos públicos que o beneficiaram e que foram conseguidos através
da corrupção. Não é sustentável um volume tão grande de benefícios e
isso enfraquece até o ministro Edson Fachin, que homologou a delação
nesses termos.
A economista Maria Cristina Pinotti disse em
conversa recente que na Itália a “Mãos Limpas” fracassou exatamente
quando parou de ter o apoio da opinião pública e foi sendo erodida pelas
denúncias e críticas feitas contra os líderes da operação. O resultado
de todo o enorme esforço de combate à corrupção na Itália foi
lamentável. Quando Berlusconi assumiu, ele nomeou para ministro da
Infraestrutura o maior empresário italiano da construção, uma espécie de
Marcelo Odebrecht. [ainda não é voz corrente nas ruas, mas, em breve será: quem da Lava Jato ganhou para os Batista - criminosos confessos e orgulhosos dos seus crimes - serem favorecidos com tantos benefícios?
Quem ganhou e quanto ganhou? São perguntas que começam a surgir.]
— A Itália tem muitas semelhanças com o Brasil, mas muitas diferenças. Nas diferenças reside meu otimismo — disse ela.
Cristina
Pinotti também alerta que o mundo mudou bastante nos últimos 25 anos,
entre a operação na Itália e a que está ocorrendo no Brasil. — É
interessante notar as diferenças que esses 25 anos produziram. Hoje a
gente tem muito mais ajuda do sistema financeiro internacional no
combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Em função da luta contra o
tráfico de drogas, o contraterrorismo, criou-se um aparato que dá muito
suporte para as investigações anticorrupção — diz.
No Brasil, os
procuradores da Lava-Jato estudam o que se passou na Itália e sabem que é
preciso manter a opinião pública a favor da investigação para evitar
que os políticos investigados se unam e aprovem leis que os favoreçam.
Foi assim que aconteceu lá. Os críticos da Lava-Jato, seja entre
os políticos, seja no meio jurídico, costumam apontar os riscos dos
excessos dos policiais e procuradores. Eles respondem que excessiva é a
corrupção que está sendo revelada a cada movimento da investigação. Os
crimes são tão persistentes que no mês passado, após três anos da
Lava-Jato, ainda se entregava malas de dinheiro a políticos. Os críticos
da operação argumentam que, neste caso de Temer, há um erro inicial, e
que se fosse no tempo do Castelo de Areia a delação seria anulada pela
maneira como foi feita a gravação do presidente, sem ordem judicial.
Aliás, os advogados derrubaram várias operações anteriores apontando as
falhas processuais. A Lava-Jato aprendeu com isso e tomou mais cuidado
que as outras.
Os ministros do STF têm opiniões bem divergentes
sobre o que está acontecendo e há um grupo de ministros que discorda do
rumo dos últimos eventos. Esse embate entre as tendências do Supremo vai
ficar mais nítido neste acirramento da crise. Contra a Lava-Jato
será usada a excessiva condescendência com os irmãos Batista. Esse é o
argumento mais convincente que os críticos da operação têm. É o ponto
fraco. O acordo não foi feito em Curitiba, mas na Procuradoria-Geral da
República. A pressão contra a Lava-Jato vai se intensificar, na mesma
medida em que a operação aumenta a pressão contra seus alvos. A tensão
está no ar.
Fonte: Coluna da Míriam Leitão - O Globo
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terça-feira, 23 de maio de 2017
Tensão na República
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