Análise Política
Debates e entrevistas duras em disputas eleitorais são como lutas de
boxe. O primeiro objetivo é não ser nocauteado. Por isso, saber
defender-se é tão ou mais importante quanto saber atacar. Melhor ainda
quando se consegue encaixar um contragolpe e marcar uns pontinhos.
Nocautes são raríssimos em entrevistas e debates eleitorais. A regra é a
luta acabar em uma discussão sobre quem ganhou por pontos, com a
vantagem de não haver juízes para decidir. Cada lado é livre para tentar
impor sua narrativa.
Nem o resultado final da eleição serve de veredito a respeito de quem
“ganhou o debate”. Sempre haverá quem recorra a grupos focais, a
medições nas redes sociais, a pesquisas quantitativas. Mas nunca será
definitivo. Sempre haverá viés.
Então, qual deve ser o objetivo principal de quem entra nesse ringue?
Simples: fazer seu eleitor orgulhar-se de você. Para armá-lo, o seu
eleitor, de argumentos na batalha por novos votos e nas refregas com
eleitores adversários.
Debates não costumam acabar em nocautes, mas eleições sim. E o exército
que luta com mais vontade e convicção tem um “plus a mais” na busca da
vitória.
Líderes políticos são medidos, em última instância, pela capacidade de
conduzir os liderados à vitória. Pouco mudou a esse respeito desde
sempre. O chefe da tribo não é julgado pelos seus atributos morais, mas
pelo talento para chefiar na guerra pela sobrevivência e sucesso
material.
Daí que os valores na política tenham peculiaridades.
A tão glamorizada coerência pode eventualmente levar a desastres. Na
política, desdizer hoje o que foi dito ontem não necessariamente é
pecado. Se a mudança puder ser vendida ao público como uma alteração de
rota indispensável para a vitória, será absorvida e até saudada.
E a insistência no erro, por coerência, é pecado capital quando coloca a
tribo em perigo. Situação em que o líder corre o risco de ser
guilhotinado, real ou metaforicamente, pelos dele.
A eleição presidencial deste ano é peculiar por estar na prática
monopolizada, até o momento, entre dois políticos que exibem como
principal atributo precisamente a liderança tribal. Em terceiro, vem um
personagem na sua quarta tentativa de chegar à Presidência, sempre
defendendo uma fatia em torno de 10% do voto válido.
Tal circunstância acaba reforçando precisamente o escrutínio das
capacidades do líder, ou candidato a líder, deixando nas sombras o
julgamento do que, afinal, cada um deles pretende fazer com o país. É
rotineiro nas eleições brasileiras, mas desta vez o traço anda bem
exacerbado. [um deles, segundo seu próprio candidato a vice declarou claramente, pretende voltar à cena do crime - crime, melhor dizendo, crimes que o levaram a ser condenado em três instâncias, por nove juízes diferentes = foi 'descondenado', NÃO FOI INOCENTADO.]
Mesmo nas raras abordagens ditas “programáticas”, os contendores buscam
reforçar antes de mais nada seu “preparo” e clarividência. No que são
facilitados pelo até agora aparente desinteresse do jornalismo em
aprofundar e destrinchar os caminhos de cada um para tratar dos assuntos
da vida prática dos cidadãos.
É confortável para os boxeadores, que vislumbram para o vencedor um
cheque em branco. Pode até ser ilusão deles nesta nossa República
retalhada pelos diversos núcleos de poder. Mas não deixa de ser
apetitoso.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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Publicado na revista Veja de 01 de setembro de 2022, edição nº 2.800