O início dos
anos 2000 trouxe uma interessante produção cinematográfica alemã.
Recomendo o fantástico “Adeus, Lênin” (2003), em que uma senhora entra
em coma antes da queda do Muro de Berlim e desperta em um país já
unificado – sob rigorosa recomendação médica de não ser submetida a
emoções fortes. Já o filme “O Grupo Baader Meinhof” (2008) retrata o
surgimento e as atrocidades dos terroristas de extrema-esquerda,
responsáveis por atentados na então Alemanha Ocidental. Mas a obra que
mais se assemelha ao que vivemos hoje no Brasil certamente é “A Vida dos
Outros” (2007).
Aos que não
assistiram, um breve resumo. Um dos grandes dramaturgos da Alemanha
Oriental (Georg Dreyman) é considerado por muitos o modelo de cidadão
alemão a ser seguido. É o sujeito perfeito, que não questiona o regime e
sobre o qual não pairam suspeitas.
Ao menos até o dia em que um
burocrata do governo resolve vigiá-lo 24 horas por dia, utilizando o
aparato da STASI, a polícia secreta da Alemanha soviética.
Escutas são
instaladas no apartamento em que Dreyman vive. Cada passo dele e sua
companheira passam a ser monitorados. Toda palavra ou ação é alvo da
atenção dos espiões.
Ao perceberem que viraram foco dos agentes, as
conversas na casa passam a ser feitas ao pé do ouvido, com música alta
ao fundo, para que os microfones instalados de maneira clandestina não
captem o que é dito. Alguma semelhança com a operação da Polícia Federal
contra oito empresários brasileiros ocorrida nesta semana?
Sim, o
Brasil de Alexandre de Moraes e do STF virou isso.
A vida imita
a arte. A ação autorizada pelo autossuficiente Moraes (que instaura
inquéritos, investiga, julga e condena) é a reprise desse estado
policialesco.
Celulares foram apreendidos, contas em redes sociais foram
bloqueadas, o sigilo bancário de investigados foi quebrado.
Para quê?
Inúmeros motivos foram elencados, nenhum deles minimamente plausível até
aqui. O que parece bastante claro, porém, é o caráter intimidatório da
ação.
Estamos
tratando de mensagens trocadas em um espaço privado. E, do que veio a
público até agora, nada (repito, nada) representa um atentado contra a
democracia. “Ah, mas alguns ali falaram em golpe, Guilherme!”. Sim, e
desde quando alguém deve ser punido por uma ideia, por mais estapafúrdia
que ela seja?
Não custa
lembrar: o ainda todo-poderoso petista José Dirceu já disse com todas as
letras que “eleição não se ganha, se toma”.
Inúmeros integrantes da
esquerda e extrema-esquerda não escondem o fascínio e a admiração por
regimes ditatoriais, alguns com boas doses de saudosismo da extinta
União Soviética. No Brasil, idolatra-se um ditador chamado Getúlio
Vargas (que governou o país durante muito mais tempo sem ter sido
eleito, do que pela via democrática).
E? Todos são livres para
defenderem, inclusive, absurdos. É a beleza da liberdade.
Desde a
eleição de Jair Bolsonaro alguns alertam para “tempos sombrios” e para o
“obscurantismo”.
Alertas de araque, feitos por pensadores de fundo de
quintal.
A afronta às liberdades vem do outro lado da Praça dos Três
Poderes, em Brasília.
Foi o Supremo Tribunal Federal quem mandou prender
jornalistas.
Foram os “supremos” que ordenaram a prisão de um deputado
federal que goza de imunidade parlamentar.
Se há uma ameaça às
liberdades nesse país, ela começa na casa dos togados.
Foi o
ministro Alexandre de Moraes que acionou a Polícia Civil de São Paulo
para enquadrar um grupo que conversava no Jockey Club da capital
paulista, fazendo críticas ao STF. Detalhe: Moraes não estava ali, foi
“avisado” por terceiros. E, assim, voltamos ao filme “A Vida dos
Outros”. Temos, portanto, uma Stasi para chamar de nossa.
Enquanto
isso, parte de uma imprensa calhorda comemora. Mal sabem eles que amanhã
ou depois podem ser os próximos alvos da fúria suprema. Para a burrice,
infelizmente, ainda não há remédio.
O autor é jornalista e o artigo foi publicado originalmente no Correio do Povo de 28 de agosto de 2022