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sábado, 1 de fevereiro de 2020

O desafio da população de rua – Editorial - O Estado de S. Paulo

A população de rua na cidade de São Paulo aumentou 60% entre 2015 e 2019, segundo o Censo da População em Situação de Rua divulgado no dia 30 passado. Agora são 24,3 mil pessoas vivendo em logradouros públicos na capital paulista. A expressiva multiplicação desse contingente já podia ser constatada por qualquer paulistano circulando pela cidade, sem necessidade de estatística: os moradores de rua parecem estar em toda parte, em especial nas regiões mais centrais.

Constatado matematicamente pela Prefeitura, o impressionante aumento é indicador bastante eloquente dos efeitos desastrosos da crise econômica legada pelo governo de Dilma Rousseff. Entre 2014 e 2018, convém lembrar, o desemprego dobrou, passando de 6,5% para 12%, condenando milhões à pobreza – e muitos a viver na rua. O desemprego, contudo, não é a única explicação para que mais e mais pessoas estejam nessa situação. Vários outros fatores, isoladamente ou de forma combinada, contribuem para ampliar a população de rua – e é justamente essa multiplicidade de causas que torna tão complexo o trabalho do poder público no enfrentamento do problema. Não há solução simples.

Até recentemente, um dos grandes obstáculos para conhecer a realidade dessa população era justamente sua invisibilidade estatística. Não havia nenhum levantamento censitário oficial sobre os moradores de rua, a começar pelo fato de o Censo Demográfico do IBGE só considerar os brasileiros com residência. Em 2008, foi feita a primeira – e até agora única – mensuração nacional dessa população, e na ocasião ficaram claros os desafios desse tipo de pesquisa, a começar pelo fato elementar de que moradores de rua não ficam em um lugar só e, portanto, podem ser contados mais de uma vez. Por esse motivo, aquele censo limitou-se a 71 cidades do País, sendo 23 capitais. Na ocasião, foram contabilizados 44 mil moradores de rua dos quais 46,5% disseram preferir dormir na rua em vez de ir a um albergue. Desses, 20,6% disseram preferir dormir na rua pela liberdade que essa situação lhes proporcionava.

A Prefeitura não divulgou informações com esse grau de detalhe, mas pode-se presumir que a situação em São Paulo não seja diferente da constatada nacionalmente. Ou seja, são variados os motivos que levam essas pessoas a viver na rua e, em muitos casos, a se recusarem a ir para os abrigos municipais ou não aceitarem qualquer forma de acolhimento que implique obediência a regras e limites.
Embora sejam majoritariamente pobres, os moradores de rua não podem ser classificados apenas por sua situação econômica, pois o perfil é variado – há de viciados em drogas a egressos do sistema prisional e de hospitais psiquiátricos. Esse quadro complexo desaconselha abordagens simplórias – não é possível mais considerar que a abertura de vagas em abrigos baste para resolver a questão.

São Paulo oferece mais de 20 mil vagas de acolhimento, mas a população de rua não para de crescer. Isso significa que são necessárias outras iniciativas. Há vários programas da Prefeitura voltados para esses moradores – são 136 serviços para a população de rua. Um deles cria frentes de trabalho, em áreas como zeladoria de parques e praças e auxílio em obras, com treinamento e bolsa-auxílio mensal que pode chegar a R$ 1.047,90. Outros acolhem públicos específicos, como mulheres e idosos, além de proporcionarem acesso à saúde e ao lazer.

O poder público está mobilizando recursos para tentar mitigar o problema, mas este só faz crescer e se tornar mais desafiador – especialmente porque a persistência do desemprego e do subemprego muito provavelmente vai ampliar ainda mais a população de rua. Assim, enquanto o País não voltar a crescer e ampliar as oportunidades de trabalho em especial para os mais pobres, qualquer iniciativa voltada para os moradores de rua será bem-vinda, mas não deixará de ser apenas paliativa, destinada a devolver a essas pessoas ao menos um pouco de dignidade.
 
 
Editorial -  O Estado de S. Paulo