A população de rua na cidade de São Paulo aumentou 60% entre 2015 e
2019, segundo o Censo da População em Situação de Rua divulgado no dia
30 passado. Agora são 24,3 mil pessoas vivendo em logradouros públicos
na capital paulista. A expressiva multiplicação desse contingente já
podia ser constatada por qualquer paulistano circulando pela cidade, sem
necessidade de estatística: os moradores de rua parecem estar em toda
parte, em especial nas regiões mais centrais.
Constatado matematicamente pela Prefeitura, o impressionante aumento é
indicador bastante eloquente dos efeitos desastrosos da crise econômica
legada pelo governo de Dilma Rousseff. Entre 2014 e 2018, convém
lembrar, o desemprego dobrou, passando de 6,5% para 12%, condenando
milhões à pobreza – e muitos a viver na rua. O desemprego, contudo, não é a única explicação para que mais e mais
pessoas estejam nessa situação. Vários outros fatores, isoladamente ou
de forma combinada, contribuem para ampliar a população de rua – e é
justamente essa multiplicidade de causas que torna tão complexo o
trabalho do poder público no enfrentamento do problema. Não há solução
simples.
Até recentemente, um dos grandes obstáculos para conhecer a realidade
dessa população era justamente sua invisibilidade estatística. Não havia
nenhum levantamento censitário oficial sobre os moradores de rua, a
começar pelo fato de o Censo Demográfico do IBGE só considerar os
brasileiros com residência. Em 2008, foi feita a primeira – e até agora
única – mensuração nacional dessa população, e na ocasião ficaram claros
os desafios desse tipo de pesquisa, a começar pelo fato elementar de
que moradores de rua não ficam em um lugar só e, portanto, podem ser
contados mais de uma vez. Por esse motivo, aquele censo limitou-se a 71
cidades do País, sendo 23 capitais. Na ocasião, foram contabilizados 44
mil moradores de rua – dos quais 46,5% disseram preferir dormir na rua
em vez de ir a um albergue. Desses, 20,6% disseram preferir dormir na
rua pela liberdade que essa situação lhes proporcionava.
A Prefeitura não divulgou informações com esse grau de detalhe, mas
pode-se presumir que a situação em São Paulo não seja diferente da
constatada nacionalmente. Ou seja, são variados os motivos que levam
essas pessoas a viver na rua e, em muitos casos, a se recusarem a ir
para os abrigos municipais ou não aceitarem qualquer forma de
acolhimento que implique obediência a regras e limites.
Embora sejam majoritariamente pobres, os moradores de rua não podem ser
classificados apenas por sua situação econômica, pois o perfil é variado
– há de viciados em drogas a egressos do sistema prisional e de
hospitais psiquiátricos. Esse quadro complexo desaconselha abordagens
simplórias – não é possível mais considerar que a abertura de vagas em
abrigos baste para resolver a questão.
São Paulo oferece mais de 20 mil vagas de acolhimento, mas a população
de rua não para de crescer. Isso significa que são necessárias outras
iniciativas. Há vários programas da Prefeitura voltados para esses
moradores – são 136 serviços para a população de rua. Um deles cria
frentes de trabalho, em áreas como zeladoria de parques e praças e
auxílio em obras, com treinamento e bolsa-auxílio mensal que pode chegar
a R$ 1.047,90. Outros acolhem públicos específicos, como mulheres e
idosos, além de proporcionarem acesso à saúde e ao lazer.
O poder público está mobilizando recursos para tentar mitigar o
problema, mas este só faz crescer e se tornar mais desafiador –
especialmente porque a persistência do desemprego e do subemprego muito
provavelmente vai ampliar ainda mais a população de rua. Assim, enquanto
o País não voltar a crescer e ampliar as oportunidades de trabalho em
especial para os mais pobres, qualquer iniciativa voltada para os
moradores de rua será bem-vinda, mas não deixará de ser apenas
paliativa, destinada a devolver a essas pessoas ao menos um pouco de
dignidade.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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