Instalações olímpicas ainda não têm serviço de
revista
Empresa
contratada por R$ 17,3 milhões não tem qualquer experiência no serviço e Comitê
Rio-2016 precisou chamar outra firma para fazer checagem
de bens
No Engenhão, tendas fechadas porque não há operadores para as
máquinas de raio-X (Leslie Leitão/VEJA)
Em
qualquer sistema de segurança do mundo – seja em
aeroportos ou grandes eventos – forma-se uma fila
para a checagem de malas, bolsas, mochilas e sacolas. No jargão dos profissionais da área, o
processo chama-se Mag & Bag, a
revista por raios-X (magnética ou mag) e de bolsas (bag).
Os especialistas consideram estas as barreiras mais
importantes para evitar ataques terroristas ou mesmo a entrada de armas, facas ou objetos cortantes.
Para os
Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a responsabilidade desta operação ficou a
cargo da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (Sesge). Há um ano a
secretaria vem arrastando a contratação da empresa que ficaria com a missão. A
licitação só foi concluída no início do mês. E a desconhecida Artel Recursos Humanos,
empresa de Navegantes, em Santa Catarina, foi quem venceu o pregão e abocanhou o contrato de 17,3 milhões de
reais.
No centro de mídia, Artel não ocupou os postos e obrigou o
Comitê Rio-2016 a contratar uma outra empresa temporariamente (Leslie
Leitão/VEJA)
A Artel não tem
qualquer experiência no ramo. Isso
é perceptível. As entradas de algumas das principais instalações olímpicas
estão sem fiscalização. O site de VEJA fez o teste ontem, no
quarto dia em que as áreas da Olimpíada estão oficialmente liberadas. Tanto no Maracanã, palco da cerimônia de
abertura, no próximo dia 5, quanto no Estádio do Engenhão, onde a maior estrela dos
Jogos, o jamaicano Usain Bolt, correrá em busca de mais medalhas, a Artel não tinha um funcionário sequer nos
checkpoints. “Também quero saber onde eles estão”, dizia um soldado da Força Nacional, que tem a
missão de auxiliar essa operação de revista em cada instalação olímpica.
Em ambos
os estádios alguns equipamentos de raio-x foram colocados debaixo de tendas,
mas não havia ninguém para operar: “Não nos ensinaram nada. Não temos o equipamento. Apenas dois
detectores foram instalados”, desabafou um outro integrante da Força
Nacional. Um integrante da equipe de
segurança do Comitê Rio-2016 explicou a VEJA a
complexidade da situação: “É preciso
entender como funciona o sistema. Para um leigo, uma maçã pode parecer uma
granada olhando pelo monitor. Então, se não houver profissionais treinados e
capacitados para o serviço, essa operação, além de causar filas intermináveis,
vai deixar as instalações absolutamente vulneráveis”, diz.
No
Maracanã, Força Nacional faz a revista de quem entra e sai, enquanto
funcionários da Artel não aparecem para trabalhar nas máquinas de raio-X
(Leslie Leitão/VEJA)
Esta preocupação acendeu o sinal
de alerta dentro da própria organização. Na terça-feira, o delegado federal Luiz Fernando
Corrêa, diretor de segurança da Rio-2016, enviou um
e-mail para os envolvidos no tema alertando para o risco de um colapso da
operação, já que a cada dia o
número de revistas vai aumentando consideravelmente, à medida que mais e
mais atletas, jornalistas e funcionários frequentam as áreas olímpicas.
Nos
centros de mídia no Parque Olímpico, por onde
circularão mais de 20 000 profissionais credenciados, esse colapso já aconteceu. Na semana passada, a Artel admitiu não
ter condições de enviar profissionais treinados para o Mag & Bag
nesta primeira semana pré-jogos.
A solução
encontrada pelo Comitê Organizador foi
buscar às pressas uma empresa com mais experiência no ramo. A escolhida foi a Sunset Vigilância, que trabalhou na Copa do
Mundo de 2014 e até hoje é a responsável pela operação do Maracanã em
jogos dos clubes cariocas. O acordo, no entanto, só vale até sexta-feira: “Não sabemos o que acontecerá a partir daí”,
diz o oficial de segurança.
A escolha da Artel surpreendeu a
todos que trabalham na área. Em seu site, a
empresa apresenta-se como especializada em “serviços de recrutamento e seleção de efetivos, locação de mão-de-obra
temporária e terceirizados de apoio”. Não
há uma menção sequer sobre segurança. E o próprio item de recrutamento de
pessoas não indica vagas para a função para a qual foi contratada no último dia
1º de julho.
“Não dá para entender porque isso não foi definido há tempos. Havia 6 000 posições para ocupar, contrataram uma empresa que jamais fez esse serviço e até agora ninguém decidiu como a operação será realizada”, afirma o dono de uma empresa de segurança.
Para se ter uma ideia da complexidade da operação, este serviço para a Olimpíada de Londres foi assinado um ano antes dos Jogos, em 2012. Ainda assim, às vésperas da competição, a empresa vencedora declarou-se incapaz de dar conta de toda a inspeção. Com isso, militares das forças armadas foram obrigados a executar a missão.
Para os Jogos de Tóquio, em 2020, os contratos estão começando a ser licitados agora. “É preciso treinar os funcionários. É um serviço específico demais, que exige treinamento e prática. E, sinceramente, eu imaginava que ao menos nessas áreas olímpicas, teríamos um sistema de segurança superior. Não é o que estamos vendo”, diz Vinícius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira dos Profissionais de Segurança. Nesta manhã, a reportagem encontrou alguns poucos funcionários da Artel fazendo a checagem dos pertences de atletas e funcionários que chegavam à Vila Olímpica.
Fonte: Revista VEJA