O parlamentarismo informal do presidente Temer, que dá a ele a
sensação de que se estiver em sintonia com sua base parlamentar
majoritária tudo pode ser feito, não importam os meios, começa a ser
contestado através do Judiciário, onde Temer também já fincou suas
bases.
Próximo do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
tão influente que já é identificado nos bastidores de Brasília como o
“Richelieu de Temer”, procura agora aproximar-se de outro membro do STF,
o futuro presidente Dias Toffoli, ambos expoentes do “garantismo” nas
decisões no Supremo, em contraposição ao “ativismo”, que mais do que
nunca se defrontam em decorrência da Operação Lava-Jato. Nos últimos dias, duas medidas importantes provocaram reações
vigorosas na parte do Judiciário mais ligada ao ativismo no combate à
corrupção, e em governadores que se sentem pressionados indevidamente
pelo governo.
O juiz Sergio Moro pronunciou-se diretamente sobre o caso da
ampliação do escopo do indulto de Natal, que já está sendo chamado de
“insulto” nas redes sociais. “O generoso indulto reflete a falta de
comprometimento de parcela do poder político no enfrentamento da
corrupção, e transmite uma péssima mensagem à sociedade”, disse Moro,
corroborando a posição dos procuradores de Curitiba, que se insurgiram
contra a medida.
Já sete dos nove governadores do Nordeste enviaram uma carta pública
ao presidente Michel Temer exigindo que desautorize seu ministro
coordenador político, Carlos Marun, que admitiu exigir reciprocidade na
votação sobre a reforma da Previdência aos que pedem empréstimos em
bancos públicos como o Banco do Brasil e o BNDES. O caso do indulto de Natal está sendo comparado com aquele concedido
pelo presidente do Peru, Pedro Paulo Kuczynski, ao ex-presidente
Fujimori, embora o indulto não tenha, a que se saiba, um beneficiado
específico, mas um conceito “generoso” que pode facilitar a vida de
amigos de Temer hoje protegidos como ministros pela imunidade, mas que
podem cair nas mãos de um juiz de Primeira Instância assim que o governo
acabar. E, no limite, o próprio presidente, que também tem contas a
ajustar com a Justiça no final de seu mandato.
Esse, aliás, é um dos argumentos que estão sendo discutidos para
basear uma eventual ação direta de inconstitucionalidade perante o
Supremo por “desvio de finalidade”. Há também a questão da
proporcionalidade da pena, pois uma redução como a de 80% quebraria a
relação entre o crime e a punição do Estado, que não pode ser nem
abusivo nem leniente na hora de fixar uma pena. Todas as medidas, no
entanto, como comentei ontem, são questionáveis, pois dependem de
interpretação subjetiva.
Já a atuação do ministro Carlos Marun, exigindo de governadores
contrapartida em votos a favor da reforma da Previdência por empréstimos
de bancos públicos, está provocando uma reação da maioria dos
governadores do Nordeste, que garantem que não hesitarão “em promover a
responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos,
caso a ameaça se confirme”.
O documento foi assinado por sete dos nove governadores do Nordeste,
mas o viés político é evidente. Os governadores do Rio Grande do Norte,
que é do PSD, e de Sergipe, do PMDB, não assinaram. Os demais são de
partidos oposicionistas: PT, PSB e PCdoB, e um, Renan Filho, de Alagoas,
do PMDB dissidente. De qualquer maneira, a exigência de que o governo
respeite a Federação e não subordine suas ações pelos alinhamentos
políticos dos governadores, é uma boa tese.
Não creio que o ministro Marun tenha chegado ao extremo de exigir
lealdade a governadores oposicionistas, e se o fez é um trapalhão, pois
permitiu que seu governo ficasse exposto à execração pública. Mas mesmo
que a prática do “é dando que se recebe” tenha sido adotada apenas com
governadores aliados, é um abuso de poder econômico do governo que não é
aceitável numa democracia.
Merval Pereira - O Globo
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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Temer contestado
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