Prefeitos e gestores apostaram dinheiro de servidores numa pirâmide. Em Brasília teme-se uma quebradeira, com efeitos similares à da crise das dívidas estaduais
Milhares
de servidores públicos estão com suas aposentadorias e pensões ameaçadas pela
insolvência de quase duas centenas de institutos municipais que mantêm Regimes
Próprios de Previdência Social (RPPS). Eles
trabalham para 186 prefeituras em 18 estados nas regiões Sudeste (SP, MG, RJ e
ES); Sul (SC e PR); Centro-Oeste (GO, MT e MS); Nordeste (PE, RN, MA e PI) e
Norte (AM, AP, RO, TO e RR).
Na origem
da ruína estão má gerência e corrupção política. Numa estimativa preliminar, as
fraudes ultrapassam R$ 2,8 bilhões — segundo dados da Polícia Federal, da
Fazenda e do Banco Central.
Prefeitos
e gestores usaram o dinheiro dos servidores em aplicações financeiras de
altíssimo risco: carteiras de investimento compostas por títulos “podres”, ou
seja, sem valor para resgate. Ingressaram numa espécie de pirâmide financeira
erguida sobre cotas de churrascarias, de empresas de limpeza e de tecnologia
inexistentes, entre outras.
Esses
fundos de investimentos possuem regras que impedem resgate dos recursos, mesmo
que o resultado da aplicação seja negativo, antes de um período de “carência”
de quatro a dez anos, sempre contados a partir da data do pedido formal de
resgate e condicionada ao pagamento de uma “taxa de saída” de até 50% do valor
investido. A maioria
dos negócios é patrocinada por empresas financeiras que 13 anos atrás foram
flagradas na lavagem de dinheiro para políticos beneficiados no caso mensalão
e, agora, são investigadas na operação Lava-Jato, por negócios suspeitos nos
fundos de pensão da Petrobras (Petros), Caixa Econômica (Funcef), Banco do
Brasil (Previ) e dos Correios (Postalis). Ano passado, esses quatro fundos
estatais somaram perdas de R$ 68 bilhões.
No rastro
das falcatruas no Postalis descobriu-se, por exemplo, que 32 institutos
municipais compraram R$ 827 milhões em debêntures (“XNICE11”) sem lastro,
emitidos por empresas de papel. Num dos
casos, foram rastreadas 34 empresas vinculadas a um único corretor carioca,
Arthur Mário Pinheiro Machado, personagem de inquéritos no caso mensalão e,
agora, na Lava-Jato.
Ele
atuava em parceria com Milton de Oliveira Lyra Filho, identificado pela polícia
como intermediário financeiro dos senadores Renan Calheiros (AL), Romero Jucá
(RR) e Eduardo Braga (AM) — eles negam. Semana passada, Lyra e Pinheiro Machado
foram presos por fraudes no Postalis. Em outro
caso, vários institutos municipais compraram cotas de uma emissão de R$ 750
milhões em debêntures (“ITSY11”) da Bittenpar, criada seis meses antes em São
Paulo e registrada com capital de R$ 500. A empresa é de José Barbosa Machado
Neto, preso no fim de 2016 por desvios de R$ 80 milhões em seis institutos de
Rondônia. Angra dos Reis (RJ) investiu R$ 32 milhões no novo negócio.
É vasta a
coletânea de trapaças com fundos de aposentadorias de servidores. Nela se
destaca a compra de R$ 472 milhões em títulos “podres” por entidades de Manaus,
Goiânia, Teresina, Macapá, Porto Velho, Campinas (SP) e Serra (ES). Os papéis
foram vendidos pelo banco BVA, liquidado 60 dias depois. Não é
conhecido o déficit do sistema de Regimes Próprios de Previdência Social
(RPPS).
Em Brasília, teme-se uma quebradeira, com efeitos similares à da crise
das dívidas estaduais nos anos 90.
José Casado, Jornalista - O Globo