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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

PT deveria admitir erros na economia - Míriam Leitão



O Globo

Sim, o PT precisa fazer autocrítica. Na economia, certamente. Não por qualquer exigência de humilhação pública, mas porque é preciso saber se o partido, na eventualidade do retorno, repetirá ou não os mesmos erros. Quando o PT saiu do Planalto a economia estava em ruínas: o PIB encolhia 3,5%, a inflação havia batido em 10%, os juros estavam em 14% (hoje estão em 5%), o desemprego havia disparado de 6% para 11,4% em um ano e meio, a dívida pública subia em espiral, o país perdera o grau de investimento, as contas públicas estavam no vermelho.

Há uma falha ainda mais grave da perspectiva de um partido de esquerda: ele transferiu renda para cima. Os subsídios e renúncias fiscais subiram de 2% para 4% do PIB. Se existe um rosto que significa o beneficiado das escolhas econômicas do PT é Joesley Batista. Ele e seus irmãos ficaram muito mais ricos. E no exterior. O BNDES comprava emissões inteiras de debêntures lançadas pelo grupo para que, com capital público no bolso, eles fossem às compras em outros países. Foi assim que eles compraram, por exemplo, a Pilgrim’s Pride, a maior processadora de frango dos Estados Unidos. Houve uma sandice pior. Eles pegaram dinheiro no banco para adquirir a National Beef. As autoridades antitruste vetaram, o banco deixou que o grupo ficasse com o recurso para uma compra futura, de fato feita. Tempo, como qualquer banco sabe, é dinheiro. Hoje, os Batistas têm a maior parte da sua fortuna no exterior.

Esta coluna nem trata da corrupção, que de fato houve. Tanto houve que os corruptos devolveram dinheiro aos cofres públicos. Difícil querer mais materialidade do que isso.  Diante desses fatos, o PT escolhe vários escapismos. Os líderes partidários admitem que erraram num ponto. Houve excesso de desonerações. Mas não foi apenas isso. Foi muito mais. Costumam fugir da realidade, dando desculpas como a de que a crise foi gerada pela queda dos preços das commodities e pela desestabilização do governo Dilma. Argumentam também que, como quase quatro anos depois as contas permanecem no vermelho e o desemprego em nível elevado, não se pode mais responsabilizar o partido.

Há sempre truques quando se quer embaralhar os números, e embrulhar os fatos por estratégia do marketing político. Culpar “as elites, os golpistas, o lado podre do Estado, a imprensa” é fácil. Encarar a realidade e pensar numa forma de governar que não arruíne a economia é o verdadeiro desafio. O ex-presidente Lula nos primeiros anos manteve o tripé macroeconômico que herdara dos “tucanos neoliberais”. Com superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante ele pôde iniciar sua política de inclusão dos mais pobres. Ele soube aproveitar o boom das commodities para manter o país crescendo e incluindo mais brasileiros. O problema foi ter minado a estabilidade fiscal quando se sentiu seguro para implantar o que os petistas definiram como a nova matriz macroeconômica. Em 2008 estavam certos quando iniciaram as políticas anticíclicas. Em 2010 erraram ao mantê-las apenas para eleger Dilma, apesar de o país já ter voltado a crescer. A crise que a ex-presidente Dilma agravou foi iniciada no governo Lula.

O PT criou uma rede de proteção para os pobres e muito pobres com o Bolsa Família, programa que ninguém se atreve a revogar. Ajudou a colocar brasileiros de menor renda, especialmente os negros, na universidade pública. A política social tem méritos inegáveis, mas alguns programas saíram pela culatra. O Fies era para ajudar os alunos sem renda, mas beneficiou mais as universidades privadas.

Para a esquerda ser realmente de esquerda será necessário analisar esses erros com sinceridade. A desorganização das contas públicas levou à recessão e à inflação, isso feriu os pobres com desemprego e perda de renda. Ao falhar na economia, o partido revogou seu próprio legado. A diferença entre os juros de 2015 e os de 2018 representa em torno de R$ 300 bilhões a mais transferidos pelo Tesouro para os detentores de títulos do governo. A desordem na economia custa caro. Os economistas do PT podem fechar os olhos para tudo isso. Mas sem entender seus equívocos, eles, se voltarem ao poder, vão trair o principal mandato de um partido de esquerda: combater as desigualdades.

Blog da Míriam Leitão -  O Globo, com Marcelo Loureiro

terça-feira, 24 de abril de 2018

Trapaças com aposentadorias

Prefeitos e gestores apostaram dinheiro de servidores numa pirâmide. Em Brasília teme-se uma quebradeira, com efeitos similares à da crise das dívidas estaduais

Milhares de servidores públicos estão com suas aposentadorias e pensões ameaçadas pela insolvência de quase duas centenas de institutos municipais que mantêm Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Eles trabalham para 186 prefeituras em 18 estados nas regiões Sudeste (SP, MG, RJ e ES); Sul (SC e PR); Centro-Oeste (GO, MT e MS); Nordeste (PE, RN, MA e PI) e Norte (AM, AP, RO, TO e RR).

Na origem da ruína estão má gerência e corrupção política. Numa estimativa preliminar, as fraudes ultrapassam R$ 2,8 bilhões — segundo dados da Polícia Federal, da Fazenda e do Banco Central.


Prefeitos e gestores usaram o dinheiro dos servidores em aplicações financeiras de altíssimo risco: carteiras de investimento compostas por títulos “podres”, ou seja, sem valor para resgate. Ingressaram numa espécie de pirâmide financeira erguida sobre cotas de churrascarias, de empresas de limpeza e de tecnologia inexistentes, entre outras. 


Esses fundos de investimentos possuem regras que impedem resgate dos recursos, mesmo que o resultado da aplicação seja negativo, antes de um período de “carência” de quatro a dez anos, sempre contados a partir da data do pedido formal de resgate e condicionada ao pagamento de umataxa de saída de até 50% do valor investido. A maioria dos negócios é patrocinada por empresas financeiras que 13 anos atrás foram flagradas na lavagem de dinheiro para políticos beneficiados no caso mensalão e, agora, são investigadas na operação Lava-Jato, por negócios suspeitos nos fundos de pensão da Petrobras (Petros), Caixa Econômica (Funcef), Banco do Brasil (Previ) e dos Correios (Postalis). Ano passado, esses quatro fundos estatais somaram perdas de R$ 68 bilhões.


No rastro das falcatruas no Postalis descobriu-se, por exemplo, que 32 institutos municipais compraram R$ 827 milhões em debêntures (“XNICE11”) sem lastro, emitidos por empresas de papel. Num dos casos, foram rastreadas 34 empresas vinculadas a um único corretor carioca, Arthur Mário Pinheiro Machado, personagem de inquéritos no caso mensalão e, agora, na Lava-Jato.  

Ele atuava em parceria com Milton de Oliveira Lyra Filho, identificado pela polícia como intermediário financeiro dos senadores Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e Eduardo Braga (AM) — eles negam. Semana passada, Lyra e Pinheiro Machado foram presos por fraudes no Postalis. Em outro caso, vários institutos municipais compraram cotas de uma emissão de R$ 750 milhões em debêntures (“ITSY11”) da Bittenpar, criada seis meses antes em São Paulo e registrada com capital de R$ 500. A empresa é de José Barbosa Machado Neto, preso no fim de 2016 por desvios de R$ 80 milhões em seis institutos de Rondônia. Angra dos Reis (RJ) investiu R$ 32 milhões no novo negócio.


É vasta a coletânea de trapaças com fundos de aposentadorias de servidores. Nela se destaca a compra de R$ 472 milhões em títulos “podres” por entidades de Manaus, Goiânia, Teresina, Macapá, Porto Velho, Campinas (SP) e Serra (ES). Os papéis foram vendidos pelo banco BVA, liquidado 60 dias depois. Não é conhecido o déficit do sistema de Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

Em Brasília, teme-se uma quebradeira, com efeitos similares à da crise das dívidas estaduais nos anos 90.

José Casado, Jornalista - O Globo