Por Bernardo Mello Franco
Radicais em causa própria
Em julho de 2003, um deputado subiu à tribuna com uma ideia incendiária. Queria convencer policiais militares de todo o país a entrarem em greve contra mudanças na Previdência. “Sem a Polícia Militar, senhor presidente, o Brasil vai se transformar num caos”, disse. “Isso tem que ser feito!”, animou-se. Além de pregar a desobediência à Constituição, o orador incentivou a quebra da hierarquia e da disciplina nas polícias. Sugeriu que as tropas de Minas Gerais e do Distrito Federal ignorassem seus comandantes e cumprissem ordens de políticos da bancada da bala. “Eles têm liderança sobre suas respectivas Polícias Militares e devem realmente partir para uma greve”, afirmou.
[Em que pese expor/comentar em sua quase totalidade fatos, há uma omissão no post, configurada ao não citar a causa principal, praticamente a única, da paralisação da PM do Ceará com o risco iminente de se propagar a outros estados, = o aumento irresponsável concedido pelo governador de MG - estado falido, inadimplente com compromissos de toda ordem, incluindo com a União Federal - superior a 40%, gerando um efeito dominó, por levar os policiais militares de outro estado a se perguntarem: 'se Minas, que está quebrada pode, qual o motivo do meu estado não poder?'
E o governador do Ceará, petista, aproveitou e ofertou bem menos do que o reivindicado pelos PMs do seu Estado, exatamente seguindo a regra daquela organização criminosa, que se camuflou de partido político, = 'quanto pior, melhor' - tanto que o percentual oferecido foi 13%.
Ao contrário, qualquer desavisado ao ler a matéria vai julgar que o responsável pela greve ilegal - ao ser realizada por militares, se torna ilegal e passa a ser motim = crime militar = é o presidente Bolsonaro, que no seu passado de parlamentar, eleito principalmente com os votos dos militares federais, estaduais e integrantes de outros órgãos de segurança, cumpria com seu DEVER de representante de tais categorias, defendendo interesses legítimos daqueles trabalhadores.]
A paralisação geral não ocorreu, mas o deputado continuou a apoiar motins ilegais nas polícias. Em fevereiro de 2017, seu grupo se engajou numa greve por aumento de salários no Espírito Santo. O movimento esvaziou as ruas e provocou uma onda de saques e assassinatos. Agora a situação se repete no Ceará, e o parlamentar que estimulava levantes nos quartéis ocupa o gabinete presidencial.
Aliados de Jair Bolsonaro estão à frente do motim iniciado na noite de terça-feira.
O deputado Capitão Wagner e o ex-deputado Cabo Sabino atuam como porta-vozes da tropa rebelada. Em Sobral, o vereador bolsonarista Sargento Aílton bateu boca com Cid Gomes antes do atentado contra o senador. O pedetista levou dois tiros ao confrontar os PMs a bordo de uma retroescavadeira. O presidente e seus três filhos com mandato já criticaram o senador baleado, que continua no hospital. Até aqui, nenhum integrante do clã condenou o motim ilegal, que emparedou o governador petista Camilo Santana.
A politização dos quartéis tem inspirado temores de um efeito dominó. Governadores de outros dez estados estão sob pressão para aumentar salários e benefícios de policiais. Se a situação no Ceará continuar fora de controle, o risco de novas greves tende a se ampliar. O diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, aponta uma convergência de interesses entre as associações de PMs e o Planalto. As entidades querem arrancar vantagens a qualquer custo, e o bolsonarismo busca enfraquecer os governos estaduais. “É uma aliança tática. Bolsonaro tenta usar reivindicações legítimas dos policiais para desestabilizar os governadores, em especial os de oposição”, afirma.
As corporações armadas nunca se sentiram tão poderosas. Em 2018, apoiaram a eleição de quatro senadores e 32 deputados com origem nas polícias. Boa parte deles se projetou ao liderar greves. O cearense Capitão Wagner, que apoia a baderna em curso, já havia capitalizado outra paralisação em 2011. Essa turma vê em Bolsonaro um exemplo a ser seguido. O presidente começou a carreira como um agitador no Exército. Chegou a ser preso por indisciplina e julgado sob acusação de planejar atentados a bomba nos quartéis. Seu objetivo era o mesmo dos PMs: radicalizar para aumentar o próprio salário.
Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo