Blog Dora Kramer
A impressão é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar como poderá repetir a dose e permanecer oito anos [ou mesmo, re-repetir a dose e ficar doze anos.]na chefia da nação
[começam a aceitar o inevitável]
No primeiro ano de governo, a impressão mais ou menos generalizada era a de que Jair Bolsonaro não se aguentaria no cargo porque o país simplesmente não aguentaria quatro anos “disso daí”: um presidente hostil, criador de casos, defensor de causas retrógradas, refratário aos preceitos mínimos da civilidade e, sobretudo, desprovido de preparo adequado para o exercício da função.
Pois bem. Quase dois anos e uma pandemia depois, a impressão mais ou menos generalizada é a de que Jair Bolsonaro não só ficará pelo tempo regulamentar como poderá repetir a dose e permanecer oito anos na chefia da nação. Esta passou a ser a previsão corrente desde que o presidente resolveu dar uma de pessoa “normal”, adaptando-se às circunstâncias da política tradicional (para o bem e para o mal). Colheu bons frutos nas pesquisas de avaliação e pôde, com isso, perceber quanto o assistencialismo é bom de voto.
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Embora pertinente, a dúvida não é consistente. Ninguém muda de personalidade aos 65 anos, ainda mais, como é o caso, quando a transformação se dá por razões táticas e/ou estratégicas. Naquela toada de confrontos e defesa de uma agenda obsoleta nos costumes, na política, na ciência, negativista da evolução da espécie humana, Bolsonaro não chegaria a lugar algum além dos limites da bolha de fiéis.
O presidente atuava em cenário irreal, preso a um passado de cinquenta, sessenta anos atrás, hoje irreconhecível para a maioria de uma população jovem como é a do Brasil, e de valores tidos como inaceitáveis por aquela minoria responsável pela indução e condução de processos de desenvolvimento. Ademais, comprava brigas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal que não tinha condições objetivas de enfrentar devido às fragilidades dele e da família nos campos político e judicial.
“Se Trump não ganhar, Bolsonaro verá reforçado o acerto da mudança no rumo da prosa agressiva”
Como dito acima, Bolsonaro tem tempo. Inclusive para fazer cicatrizar as feridas abertas entre os devotos insatisfeitos com o que interpretam como desvio do caminho original. Acenos, embora amenos, nesse sentido têm sido feitos.
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A preocupação dos responsáveis pela introdução no Código de Processo Penal do dispositivo que resultou na liberação e fuga de um traficante já condenado em duas instâncias judiciais não foi com o contingente de possíveis injustiçados que mofam nas cadeias sem condenações. A ideia era desferir um golpe na Operação Lava-Jato e estancar a ofensiva da aplicação da lei àquelas até então intocáveis.
Uma gente travestida de defensora do estado de direito, mas que não dava a mínima quando esse mesmo estado de direito era agredido permanentemente pela regra geral da impunidade, cujo interesse primordial é a defesa do império da tecnicalidade independentemente das consequências.
No benefício concedido ao traficante em questão esteve presente a evidência de que um tiro no abuso de autoridade pode se configurar abusivo para a sociedade.
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Publicado em VEJA, edição nº 2709, de 21 de outubro de 2020