Silvio Navarro
Supremo Tribunal Federal atropela o processo legal, persegue cidadãos e esconde imagens para sustentar uma agressão que não aconteceu contra o ministro Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Aos fatos: no dia 14 de julho, quando retornava ao país depois de uma palestra na Universidade de Siena, Alexandre de Moraes foi abordado por três brasileiros no saguão do Aeroporto Leonardo da Vinci, em Roma, na Itália.
Segundo o ministro, o trio de brasileiros Roberto e Andreia Mantovani e Alex Zanatta, genro do casal, que vivem na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, no interior paulista, agrediu Alexandre Barci com um tapa no rosto. Também teriam disparado algumas hostilidades contra o magistrado: “comunista”, “bandido” e “comprado”.
Um vídeo, aparentemente feito pelo trio, mostra o ministro Alexandre de Moraes visivelmente irritado. Ele diz as seguintes palavras: “Vocês serão identificados”, e depois chama um deles de “bandido”. São as únicas imagens em vídeo conhecidas até agora
Desde então, o ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) disponibilizou quantos homens da Polícia Federal fossem necessários para apurar o caso. O presidente Lula chamou a família Mantovani de “animais selvagens”. “Precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem ódio, como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no Aeroporto de Roma. Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano.”
(Lula, em 17 de julho)
Ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, os Mantovani tiveram de prestar depoimento à Polícia Federal, sem a presença de advogados, sobre o entrevero. Mas não foi só: a então presidente do Supremo, Rosa Weber, determinou que a polícia fizesse uma operação emergencial de busca e apreensão dos aparelhos celulares e computadores na casa dos acusados — até hoje não devolvidos. O carro deles também foi vasculhado. O que os agentes buscavam permanece um mistério.
As imagens do circuito interno do aeroporto italiano foram solicitadas pela Polícia Federal. Um relatório com 50 páginas foi entregue no dia 19 de setembro. É assinado pelo agente Clésio Leão de Carvalho. O parecer diz que “possivelmente, por suas expressões corporais, eles podem ter ofendido, injuriado ou mesmo caluniado o ministro”. O filho poderia ter sido alvo de um “aparente tapa, com as costas da mão direita”, que fizeram seus óculos caírem no chão.
Os óculos do filho de Moraes ganharam relevância nessa história porque, para defender o ministro, as redações da imprensa tradicional ficaram escandalizadas com uma cena — que talvez nunca tenha acontecido. O jornal O Globo produziu uma espécie de “tirinha”, ou gibi, retratando um sopapo no rosto do filho do ministro — os óculos, por consequência, voaram. Foto: Reprodução O Globo/18/7/2023
A Polícia Federal tampouco preservou a identidade dos brasileiros, que tiveram a vida vasculhada e exposta pela velha mídia.
É aqui que começa outro capítulo da trama hollywoodiana.
Perícia proibida
Ao saber do teor do documento, a Associação Nacional de Peritos Criminais Federais fez uma pergunta básica: por que um profissional especializado não foi designado para fazer o trabalho com rigor científico? “É preocupante que procedimentos não periciais possam ser recepcionados como se fossem ‘prova pericial’, uma vez que não atendem às premissas legais, como a imparcialidade, suspeição e não ter, obrigatoriamente, qualquer viés de confirmação, que são exigidas dos peritos oficiais de natureza criminal”, disse em nota.
A Corregedoria da Polícia Federal achou a nota desaforada e abriu um processo disciplinar contra Willy Hauffe Neto, presidente da associação dos peritos. No despacho, afirma que, como não há suspeitas sobre a integridade, adulteração ou edição das imagens, o trabalho dos peritos era desnecessário.
Você não vai acreditar nos mais novos ABSURDOS que estão acontecendo na investigação do suposto caso de agressão ao ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma.
Assista o vídeo até o final e compartilhe! pic.twitter.com/La5JhRm2oM— Deltan Dallagnol (@deltanmd) October 27, 2023
A Polizia di Stato, da Itália, também produziu um relatório. Diz o texto: “Repara-se o único contato físico digno de nota, ocorrido entre Roberto Mantovani e o filho da personalidade. Nessa circunstância, esse último, provavelmente exasperado pelas agressões verbais recebidas, estendia o membro superior esquerdo, passando bem perto da nuca do antagonista, que, ao mesmo tempo, fazia a mesma ação utilizando o braço direito, impactando levemente os óculos de Alexandre Barci de Moraes”.
O advogado Ralph Tórtima, que defende a família de Santa Bárbara d’Oeste, pediu quatro vezes acesso às imagens das câmeras de segurança.
Não para por aí. Por alguma razão inexplicável, esse inquérito da PF foi anexado aos atos de vandalismo do dia 8 de janeiro, em Brasília, que tem condenado pessoas a 17 anos de cadeia — embora a confusão com Moraes tenha acontecido na Europa, seis meses depois, e não tenha nenhuma relação com a eleição no Brasil.
Do gabinete de Dias Toffoli partiu uma das maiores aberrações jurídicas conhecidas no “estado democrático de direito” brasileiro.
Toffoli negou o recurso do Ministério Público Federal e dobrou o sigilo das imagens. É evidente que não deve haver tolerância com agressões a qualquer pessoa, seja ela figura pública ou não.
Por Cristyan Costa
Quais ilegalidades o senhor avalia que foram cometidas no processo?
Quando desembarcaram no Brasil, meus clientes foram abordados pela Polícia Federal.
Qual é a estratégia da defesa daqui para a frente?
Esperamos a resposta da Justiça para nos ceder as imagens. Assim, conseguiremos fazer um trabalho mais técnico. O próprio Ministério Público disse não haver viabilidade nos moldes propostos pelo ministro Toffoli, nos quais pode-se apenas ver o vídeo na sede do STF. Quando esse material chegou ao Brasil, deveria ter passado por uma série de etapas. A primeira prevê submetê-lo, lacrado, a uma perícia, que vai abri-lo. E o processo tem de ser fotografado. Nada disso ocorreu. Entregaram o material a um agente da PF, que fez uma seleção com base num critério que desconheço. Esse profissional desprezou trechos importantes e montou um contexto desfavorável ao meu cliente. A própria associação dos peritos queixou-se. Sendo assim, não podemos descartar a possibilidade de todas as provas terem sido maculadas a ponto de ficarem inválidas.
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