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domingo, 17 de dezembro de 2017

A sintonia restrita do PCC

Como a maior facção criminosa do País opera seu setor de inteligência, com membros treinados para planejar secretamente assassinatos de agentes penitenciários e espalhar o terror no sistema carcerário

 SOFISTICAÇÃO Líderes da Cúpula do PCC, entre eles Marcola (ao centro), têm enviado cartas codificadas ao núcleo de inteligência da facção, que executa ações como a que matou o agente Alex Belarmino no veículo que dirigia a caminho do presídio de Catanduvas

Fecha na Restrita. Essa é a ordem dada pela cúpula do Primeiro Comando da Capital, o PCC, a um núcleo da facção que vem se estruturando e ganhando cada vez mais força para orquestrar execuções em diferentes estados do País, conforme afirmou à ISTOÉ um agente da Polícia Federal sob a condição de anonimato. Em liberdade, esses membros recebem as instruções por bilhetes codificados e lacrados que viajam quilômetros até o destino final. Uma vez que a mensagem chega à Sintonia Restrita, a célula de inteligência se encarrega de delegar a missão aos executores, em geral aqueles que possuem dívidas com o grupo ou têm histórico de indisciplina. “Se não cumprirem, sabem que também serão mortos”, diz o policial. De acordo com as investigações do promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado de Presidente Prudente, Lincoln Gakiya, o núcleo principal é formado por três ou quatro pessoas de São Paulo, com movimentação por todo o País. “Eles planejam ações como levantamento de dados, vigilância, aluguel de imóveis e veículos para perseguir alvos e gerar terror”, afirma. Esses membros não utilizam celulares, afastam-se de funções relacionadas ao tráfico e ficam isentos de pagar a “mensalidade”, que é obrigatória para todos os integrantes. “Eles são muito dinâmicos e criam várias camadas de hierarquia para dificultar as investigações”, afirma Gakiya.

Embora atuem de maneira quase invisível, passaram a chamar a atenção dos investigadores após uma onda de assassinatos de agentes penitenciários federais. Em junho do ano passado, Roberto Soriano, membro da cúpula do PCC conhecido como Tiriça, deu ordens para o assassinato de diversos funcionários de dentro do presídio de segurança máxima de Catanduvas (PR). “Não são ataques pessoais, são atentados contra a instituição, que ocorreram em represália aos padrões de disciplina do sistema penitenciário federal”, afirma Carlos Augusto Machado, agente em Catanduvas desde 2010 e atual presidente do Sindicato dos agentes penitenciários federais do Paraná. Seguindo a ordem de Tiriça, membros do PCC alugaram uma casa vizinha à do agente Alex Belarmino. 


Em 2 de dezembro, o carro oficial que o agente utilizava para chegar ao trabalho foi cercado por um veículo com homens do PCC. Ele foi morto com 23 disparos. Em abril deste ano, o agente penitenciário Henry Charles Gama Filho foi assassinado em um bar na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Segundo a Polícia Federal, criminosos se aproximaram em um carro e atiraram contra o servidor. Um mês depois, foi a vez de Melissa de Almeida Araújo, psicóloga do presídio de Catanduvas. Monitorada por 40 dias, era considerada um alvo fácil por não andar armada. No dia 25 de maio, foi alvejada por dois homens ao entrar no condomínio em que vivia com o marido e o filho de dez meses. A série de assassinato espalhou o terror entre os agentes penitenciários. Com os suspeitos da execução de Belarmino a Polícia Federal encontrou uma lista com mais 20 nomes e endereços de funcionários de presídios federais tidos como alvos da facção criminosa. “Depois disso, vários protocolos foram melhorados para dar mais segurança ao deslocamento de agentes”, diz Machado.

VERBA DE R$ 150 MIL
As missões especiais da Sintonia Restrita se tornaram tão sofisticadas que contam com estruturas próprias. O PCC paga até o treinamento para os membros encarregados das missões, como demonstram planilhas obtidas pelos investigadores. Elas detalham todos os gastos com os assassinatos. Uma denúncia encaminhada ao Ministério Público de São Paulo, em dezembro de 2016, pelo Gaeco, revelou cartas “restritas” apreendidas na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau com ordens para integrantes em liberdade localizarem dados e endereços de agentes públicos. Após investigações, uma ação policial apreendeu em Ribeirão Preto documentos com determinações para “matar como se fosse latrocínio”, de forma a não levantar suspeitas sobre a cúpula da organização criminosa. “É para escolher quatro irmãos de sua confiança capacitados para executar fatal, que sejam pegadores para eliminar esses frangos”, diz um trecho da correspondência. A planilha apreendida indica um volume de R$ 150 mil gastos em viagens, celulares, veículos, passagens e até cursos para bancar estratégias do setor de inteligência.

Ações como essas podem ganhar um novo fôlego com a saída do líder Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, do regime de isolamento para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde se encontra presa a cúpula do PCC. “Ele vai receber visitas privadas, isso aumenta a facilidade com que as ordens entram e saem do presídio”, diz Gakiya. Nesse sentido, o vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais, Flávio Werneck, afirma que o País acumulou uma série de erros na aplicação da Lei de Execução Penal. “São concedidos benefícios a pessoas que passam longe de ter alcançado um bom comportamento”, afirma. Isso porque, mesmo em presídios de segurança máxima, há relatos de que informações são transmitidas por meio das visitas íntimas e sociais. “Apenas o tempo é controlado, não há qualquer monitoramento de áudio”, diz Machado. O que reforça a munição do já robusto setor de inteligência do crime.

“É um núcleo técnico que faz o levantamento de vulnerabilidade da vítima e dos
riscos da ação. Assim, além de executar, conseguem disseminar o medo”

Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais