Brumadinho traz severas consequências políticas para o governo Bolsonaro
Todo motorista alemão teme a frase “até que o TÜV” nos separe. Significa
que o veículo dele não passou pelo TÜV (“Technischer
Überwachungsverein”, a organização privada que vigia, entre milhares de
outras coisas, se um carro obedece às normas técnicas para circular nas
ruas). O TÜV foi inventado em 1865 no sul da Alemanha para acabar com as
frequentes explosões de caldeiras a vapor, especialmente em
cervejarias.
Trata-se de uma organização privada que assumiu funções do poder público
(vigiar normas técnicas) e deu tão certo nos últimos 150 anos a ponto
de se transformar num produto de exportação alemão. “Examinado pelo TÜV”
está carimbado na placa de cada veículo, no reator de uma central
nuclear ou numa escova de dentes. Funciona como atestado de qualidade e
respeito às normas (legais e técnicas) emitido por organização
independente e privada.
No Brasil, uma das três grandes “holdings” regionais dessa organização, o
TÜV SÜD (24 mil funcionários, US$ 2,6 bilhões de faturamento) em meados
do ano passado conferiu à barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho
um macabro “tudo ok” de trágicas consequências. Como assim aquilo que os
alemães apontam com tanto orgulho – o autocontrole exercido pelo
próprio setor privado da economia – não funcionou no Brasil?
Advogados já consideram como o TÜV – assim como a Vale – terá de assumir
no mínimo responsabilidades cíveis pela tragédia, mas o que as
investigações e o noticiário de Brumadinho já parecem sugerir é um
contexto de falha coletiva que envolve a grosso modo os dois setores
(público e privado). Por exemplo, barragens como a de Brumadinho (rio
acima) são proibidas em países de tradicional atividade de mineração,
como Peru e Chile, por causa de frequentes terremotos.
No Brasil, a técnica obsoleta de confecção dessas barragens (nas quais
se utilizam os próprios rejeitos da mina) se arrasta desde a década dos
anos 1970. A fiscalização não existe ou é incipiente, numa clara
demonstração que talvez o principal problema da burocracia brasileira
nem é o excesso dela, mas o fato de que não funciona. E que prevalece em
boa parte a mentalidade – nos setores público e privado – resumida na
expressão “se nada aconteceu até agora é porque nada vai acontecer”. Pois aconteceu. E deve alterar substancialmente a atmosfera política
nacional e internacional para se debater a relação entre desenvolvimento
econômico (sobretudo a exploração de recursos naturais, como
agricultura e mineração) e proteção do meio ambiente.
Se o governo de Bolsonaro se elegeu apegado em parte à narrativa
política de que licenciamento ambiental não pode se transformar em
barreira burocrática à atividade empresarial, a tragédia de Brumadinho
altera fortemente a percepção que o público tem da questão e, portanto,
vai exigir do presidente e seus ministros habilidade política em vez de
frases de efeito. A palavra mágica “desregulação” se arrisca a virar
palavra maldita. [só que um TÜV SÜD contratado no governo Bolsonaro estará imune è praga da corrupção;
já o contrato para a Copa 2014 foi na corrupção de todas as corrupções.]
O TÜV SÜD expandiu sua venda de serviços ao Brasil na euforia das obras
de infraestrutura para a Copa de 2014. Também empenhada em crescer a
todo custo, a organização alemã encontrou aqui nosso jeito tradicional
no qual leis “pegam” ou “não pegam”, fiscalização existe sobretudo no
papel, a burocracia é pesada e ineficiente e um autointitulado “orgulho
nacional”, como a Vale, a maior produtora mundial de minério de ferro,
demonstrou que, se sabia de erros do passado, precisou de mais um
desastre para dizer que vai corrigi-los.
Ambiente institucional – a relação entre ideias e interesses – , diria esse tão citado sociólogo alemão, Max Weber, é tudo.
William Waack - O Estado de S. Paulo