O
mineiro Artur Bernardes entrou para a História como um presidente autoritário, que governou grande parte de seu mandato
sob estado de sítio. A ele é atribuída uma sentença
que não deixa dúvidas quanto a isso: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei”. O gaúcho Getúlio Vargas, que
derrubou a República Velha, adotou-a e empregou-a como palavra de ordem de
comandante da Revolução de 1930, presidente provisório, escolhido de forma
indireta em 1934, ditador do Estado Novo e eleito pelo povo, em 1950.
Esse lema poderia até substituir o dístico
da Bandeira Nacional, inspirado no positivismo de Augusto Comte: “Ordem e progresso”.
Neste
instante em que o retrocesso traz, como “nunca
antes na História deste país”, a perspectiva assustadora do caos, pois a presidente da
República se mantém no poder, mas não governa, e a economia desaba no
buraco do passado, a garantia da prosperidade pela ordem parece mais uma anedota
de humor negro. E à sociedade desamparada, aflita pela queda de
produção e consumo, que gera o desemprego crescente, resta apegar-se à recente conquista de um Estado Democrático de Direito
de verdade, cujo objetivo é a igualdade de todos diante da lei, agora
ameaçada por quem comanda a máquina pública federal por delegação da maioria
dos cidadãos, consultados em eleição.
Uma nesga de esperança raiou no
céu da Pátria quando recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF)
julgou a Ação Penal (AP) n.º 470, conhecida vulgarmente como Mensalão, esquema
de corrupção assim definido pelo delator Roberto Jefferson. Nele o
governo corrompia o Poder Legislativo para garantir apoio a suas decisões. Sob
a presidência de Carlos Ayres Britto e, depois, de Joaquim Barbosa, a mais
elevada Corte de Justiça processou e condenou altos dirigentes do governo e do
partido de Luiz Inácio Lula da Silva. E
atingiu pioneiramente maganões da República corrompida,
negando o axioma ancestral de que cadeia é exclusividade de pretos, pobres e
prostitutas.
Mas a força-tarefa da Polícia
Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), sob a égide do juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba,
dissipou essa ilusão otimista ao investigar como funcionava o propinoduto da
Petrobras e também de outras empresas e autarquias federais para enriquecer
companheiros e beneficiar aliados. Uma série de
coincidências afortunadas, iniciada com a devassa de lavagem de dinheiro de
burocratas e políticos corrompidos pelas maiores empreiteiras do país,
revelou evidências de que não eram descabidas as denúncias de malversação de
dinheiro do povo na contratação de obras públicas. O caixa 2 de um posto de gasolina em Brasília virou uma cornucópia
inimaginável.
Isso só foi possível
por uma série de acasos inesperados. O
primeiro deles foi a volta do juiz que mais conhece lavagem de dinheiro no país à primeira
instância no estado onde nasceu, viveu e prosperou o doleiro reincidente
Alberto Youssef. A repetição da impunidade garantida na
Operação Castelo de Areia tornou-se mais
difícil depois da morte do mago das
causas vitoriosas em tribunais de terceira instância para cima, Márcio Thomaz
Bastos.
E a devassa ficou mais
consistente e ágil por
causa da competência e da lisura dos agentes e procuradores federais e da
obediência ao acordo internacional que incorporou o Brasil ao Primeiro Mundo no
combate à corrupção. Isso se
completa com o aprimoramento da contribuição de réus confessos à Justiça,
erroneamente definida de forma pejorativa como delação premiada, que dá aos
investigadores o caminho das pedras para obterem provas.
A pusilanimidade da oposição foi
compensada pela labuta diligente e corajosa dos meios de comunicação, que têm informado à sociedade
fatos relevantes revelados em delação. E também pela histórica decisão do STF
de autorizar ordens de prisão contra condenados em segunda instância. O assassínio do autor do programa de governo
na primeira vitória de Lula à presidência, Celso Daniel, a rapina na
Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), o Mensalão, o
Petrolão, a compra de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) e a concessão de privilégios a “compadritos”
pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não são casos
estanques. Mas constituem um escândalo só.
Delitos comprovados e passeios de
burocratas e dirigentes de partidos do governo, em
especial o PT, pelo Código Penal e entre vários processos mostram que o assalto
a estatais foi planejado, organizado e cometido após a ocupação de altos cargos
na máquina e nas empresas públicas. Do noticiário pode-se concluir que
os gestores da União nestes 13 anos, ao contrário do que imaginavam seus
adversários, não seguiram as diretrizes do
marxismo-leninismo, do stalinismo, do foquismo cubano, do socialismo,
peronismo, bolivarianismo, sandinismo ou qualquer ideologia de esquerda.
A ruína
econômica de Cuba e Venezuela foi construída pelos tiranetes de esquerda Fidel
e Raúl Castro, Hugo Chávez e Nicolás Maduro. E estes inspiram seus asseclas brasileiros por saberem
tirar proveito do acesso sem fiscalização a orçamentos públicos. É o
caso do comunista angolano José Eduardo dos Santos, pai de Isabel, a mulher
mais rica da África. Mas seus reais inspiradores são, de fato, assaltantes
comuns, como Tião Medonho e Fernandinho Beira-Mar. A retórica populista é
só pretexto.
A visita de Dilma ao antecessor
em solidariedade por sua condução coercitiva pela força-tarefa da Lava Jato não deixa dúvidas
de que a chefe do governo apoia o líder dos investigados na operação policial. E não os investigadores. Seu desgoverno presta
serviço à impunidade e ao privilégio e fica contra agentes do Estado que tentam
garantir a igualdade de todos diante da lei e devassar o maior escândalo de
corrupção da História, para puni-los.
Fonte: O
governo contra a lei
Publicado
no Estadão - José Nêumanne