O Globo
"Recesso democrático"
O governador interino Claudio Castro escolherá o próximo procurador-chefe do Ministério Público Estadual, que comanda as investigações sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio quando era deputado estadual, comandada pelo notório Queiroz. Mesmo que queira, porém, será muito difícil que influencie os procuradores estaduais para que indiquem um colega bolsonarista para o cargo numa lista tríplice obrigatória, de onde sairá o escolhido.Todas essas teorias de conspiração surgem porque vivemos tempos estranhos, em que diversas vezes vimos tentativas de contornar os limites legais para impor a vontade do Executivo.
Decisões judiciais discutíveis que beneficiaram a família Bolsonaro foram tomadas, constatamos cotidianamente a disputa entre dois ou três candidatos à vaga do Supremo para ver qual agrada mais o presidente. Essa situação fez com que o ministro do Supremo e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin se pronunciasse duas vezes nos últimos dias contra o que chamou de “processo autoritário”.
Sem se referir diretamente a Bolsonaro, o ministro citou o livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: “ (...) saber que é possível, sim, criar isso o que podemos chamar de endoautoritarismo, ou seja, manter-se um verniz democrático e, por dentro as instituições serem corroídas a tal ponto que o hospedeiro, que é a democracia, seja destruído pelo parasita, que é o autoritarismo”.
Fachin afirmou várias vezes que existe um “cavalo de Tróia” dentro da legalidade constitucional do Brasil, “que apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas. Conduta de quem elogia ou se recusa a condenar ato de violência política no passado”. Esse “recesso democrático” que estamos vivendo, de acordo com Fachin, também foi referido pelo ministro Luis Roberto Barroso, presidente do TSE e seu colega no Supremo, mas com uma visão mais otimista, embora diga que precisamos sempre ficar atentos: “Temos um presidente que defende a ditadura e a tortura, e ninguém defendeu solução diferente do respeito à liberdade constitucional. (...) A democracia brasileira tem sido bastante resiliente, embora constantemente atacada pelo próprio presidente”
Merval Pereira, colunista - O Globo