Deveria ser pressuposto ético de quem luta por inovação o dever de informar quando uma nova tecnologia ou invento está supervalorizado ou indo bastante
além de sua real capacidade de disrupção.
Infelizmente, no caso do bitcoin, como em todas as outras bolhas do capitalismo
moderno, os atores relevantes e os entusiastas de plantão (que pouco estudam,
mas muito propagam) estão aproveitando a curva de valorização do ativo para
deturpar o sistema econômico.
Basta estudar a história das bolhas anteriores para saber que o pico de valorização só antecede uma pequena queda e, momento seguinte, o abismo. É verdade que a criptomoeda tem um número limitado de emissões (21 milhões), o que a tornaria um novo tipo de ouro porque finita. Mas também é verdade que a precursora das criptomoedas não passa disso: o primeiro invento de seu tipo, ainda mal acabado e com sem-fim de vulnerabilidades.
Seu mérito é o mesmo que o do avião de Santos Dumont (1873-1932): provar que é possível a existência do que não acreditávamos, um mercado sem uma autoridade central nesse caso. Mas é preciso abrir os olhos também para os defeitos de uma invenção ainda prototípica. Em primeiro lugar, é bom ressaltar que o valor de obtenção de um bitcoin dobra a cada quatro anos —o que intensifica o uso de energia para tal fim. Com o uso crescente de energia, é possível que nem se atinja a emissão total, já que se o valor da moeda sofrer uma forte desvalorização repentina, ela deixará de ser viável simplesmente porque não pagará a conta de energia.
Em segundo lugar, a blockchain utilizada pelo bitcoin está, em diversos aspectos, já superada: ela demora até uma hora para confirmar uma única transação. Nem o maior entusiasta da criptomoeda é capaz de convencer que, com esse tempo de confirmação, a moeda seja capaz de se viabilizar como meio efetivo de pagamentos para o futuro. E, talvez o mais importante, a moeda não é legalmente segura, o que, sem uma mudança efetiva, a inviabilizará no médio prazo. O bitcoin está abrigado numa cadeia pública de informações, descentralizada, bem distribuída e criptografada.
Significa dizer que, até que o usuário da moeda a converta em pagamento real, não é possível descobrir o verdadeiro dono do ativo. A privacidade nesse caso pode dar abrigo à evasão, à sonegação e até à corrupção (nesse último caso, inclusive como um meio melhor que o próprio dinheiro em espécie). As implicações criminais certamente despertarão a atenção dos legisladores no curto prazo —que precisarão responder com medidas eficazes. É preciso, portanto, que além do cuidado com a valorização aparentemente despropositada, o investidor tenha claro o risco legal: tão logo as autoridades percebam o vazio regulatório, é possível que novas e robustas regulações inibam ou limitem o comércio da moeda.
Mais imediatamente, seria auspicioso que os mercados de criptomoedas estabelecidos no Brasil adotassem medidas efetivas de compliance frente ao aporte crescente nesse tipo de ativo. O maior mercado desse tipo no mundo, o Coinbase, enviou recentemente para todos os seus usuários um singelo alerta quanto a investimentos responsáveis, algo inédito até então. Não é mera coincidência.
Basta estudar a história das bolhas anteriores para saber que o pico de valorização só antecede uma pequena queda e, momento seguinte, o abismo. É verdade que a criptomoeda tem um número limitado de emissões (21 milhões), o que a tornaria um novo tipo de ouro porque finita. Mas também é verdade que a precursora das criptomoedas não passa disso: o primeiro invento de seu tipo, ainda mal acabado e com sem-fim de vulnerabilidades.
Seu mérito é o mesmo que o do avião de Santos Dumont (1873-1932): provar que é possível a existência do que não acreditávamos, um mercado sem uma autoridade central nesse caso. Mas é preciso abrir os olhos também para os defeitos de uma invenção ainda prototípica. Em primeiro lugar, é bom ressaltar que o valor de obtenção de um bitcoin dobra a cada quatro anos —o que intensifica o uso de energia para tal fim. Com o uso crescente de energia, é possível que nem se atinja a emissão total, já que se o valor da moeda sofrer uma forte desvalorização repentina, ela deixará de ser viável simplesmente porque não pagará a conta de energia.
Em segundo lugar, a blockchain utilizada pelo bitcoin está, em diversos aspectos, já superada: ela demora até uma hora para confirmar uma única transação. Nem o maior entusiasta da criptomoeda é capaz de convencer que, com esse tempo de confirmação, a moeda seja capaz de se viabilizar como meio efetivo de pagamentos para o futuro. E, talvez o mais importante, a moeda não é legalmente segura, o que, sem uma mudança efetiva, a inviabilizará no médio prazo. O bitcoin está abrigado numa cadeia pública de informações, descentralizada, bem distribuída e criptografada.
Significa dizer que, até que o usuário da moeda a converta em pagamento real, não é possível descobrir o verdadeiro dono do ativo. A privacidade nesse caso pode dar abrigo à evasão, à sonegação e até à corrupção (nesse último caso, inclusive como um meio melhor que o próprio dinheiro em espécie). As implicações criminais certamente despertarão a atenção dos legisladores no curto prazo —que precisarão responder com medidas eficazes. É preciso, portanto, que além do cuidado com a valorização aparentemente despropositada, o investidor tenha claro o risco legal: tão logo as autoridades percebam o vazio regulatório, é possível que novas e robustas regulações inibam ou limitem o comércio da moeda.
Mais imediatamente, seria auspicioso que os mercados de criptomoedas estabelecidos no Brasil adotassem medidas efetivas de compliance frente ao aporte crescente nesse tipo de ativo. O maior mercado desse tipo no mundo, o Coinbase, enviou recentemente para todos os seus usuários um singelo alerta quanto a investimentos responsáveis, algo inédito até então. Não é mera coincidência.
Folha de S. Paulo - Gustavo Mascarenhas, advogado, mestre e doutorando em direito pela USP, foi
pesquisador visitante de compliance de dados da Universidade de Utrecht
(Holanda)